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Budismo, meditação e cultura de paz | Lama Padma Samten

A importância da familiaridade com a energia | Lama Padma Samten

Transcrição de alguns trechos do ensinamento de Lama Padma Samten durante o retiro sobre “As quatro ações de sabedoria no cotidiano” (na manhã do terceiro dia, 4 de setembro 2016), no CEBB Mendjila, em Canelinha, SC.

Meditação shamatha com foco na energia dos cinco elementos e energia autossustentada (7:00 a 35:30)

Essa parte da meditação dos cinco lungs eu acho super útil. Não é muito comum encontrarmos essa abordagem. Eu não sei por que sempre privilegiamos o aspecto cognitivo. Já a energia é mais difícil, não tem como trabalhar com o aspecto cognitivo. Um coisa é você localizar a ideia, outra coisa é localizar a energia. Eu posso localizar ideias e sou um observador contemplando conceitos, mas a energia tem outra característica.
Por exemplo, quando estamos sentados, eu não preciso pensar se há alguma coisa relacionada à energia. A energia está presente. Não tenho como ficar sentado se não estiver manifestando energia. Então, eu vou dando nomes para isso, apenas. Quando penso na energia terra, isso significa essa capacidade de estabilidade, essa firmeza. Ela não chega a ser um conceito separado de mim, é alguma coisa que eu estou experimentando. Não tem outro jeito. Eu posso pensar sobre a terra. Quando penso sobre a terra, aí ela está separada de mim. Mas terra como energia está junto da pessoa. Ou a pessoa vê ou não vê.
Isso também é um ponto interessante, porque vemos sem precisar dos cinco sentidos. Nós vemos sem olhos, sem ouvidos, sem nariz, língua, tato ou um conceito. É um objeto perfeito para contemplar, porque já não é separado, não é dual, surge junto de nós. Temos uma sensação direta de que podemos transformar esse objeto, ampliar ou diminuir o objeto. Nós temos essa capacidade. É um objeto não dual.
Tem essa vantagem em shamatha: o foco da mente em um objeto não dual. Se nós quisermos trabalhar o nível secreto a partir desse ponto, é super fácil, porque a energia é o nível sutil. Mas a energia brota de onde? Nós paramos totalmente e vemos que de lá, desse lugar, a energia pode aumentar ou diminuir, mas não tem um processo causal. Não é assim: eu tomando café, surge energia; não tomando café, não surge energia; tomando café com açúcar, mais energia; tomando café sem açúcar, menos energia. Esse processo não é causal. Nós começamos a examinar dentro dessa ausência de conteúdos causais e de lá brota. Isso é o aspecto secreto, isso que se movimenta sem o movimento causal. Quando a mente se movimenta, aquilo se movimenta junto. É um movimento sem uma origem causal.
Então, quando nós trabalhamos a energia a partir desse ponto, ao mesmo tempo, estabilizamos a mente em um foco e desenvolvemos uma familiaridade com o aspecto sutil e secreto. Depois, na medida em que nós desenvolvemos essa familiaridade, vamos ganhar uma vantagem porque temos linguagem para tratar outras questões.
Vamos perceber, por exemplo, que a questão do impulso, da predisposição, do movimento cármico, não é um processo que se movimenta centralmente pela mente, pelo raciocínio, mas se movimenta pela energia. As coisas nos atraem e nos movem a partir do movimento que é produzido na energia. Assim, se nós geramos uma estabilidade no nível de energia, a partir de shamatha, temos muito mais habilidade em poder nos mover no meio das coisas sem sermos arrastados pelas aparências. Porque as aparências não nos arrastam por conceitos. Elas nos arrastam por energia.
Quando dizemos “eu gosto / não gosto” (vedanas), isso se refere ao movimento da energia. Eu olho os objetos e vejo que me atraem, porque vejo que tem uma energia que se move naquela direção. E, se eu tenho uma aversão, a energia enfraquece, tem um obstáculo para me mover. Então, a energia não é manipulável por argumentos.
Essa familiaridade com o aspecto primordial da energia é essencial. Se nós conseguimos gerar essa observação e contemplar essa condição, ganhamos uma estabilidade que independe das aparências. Isso é super útil. Todos os bodisatvas vão necessitar disso, porque eles vão andar nos lugares e encontrar sinais negativos por todo lado. Naturalmente, eles podem entrar em lugares onde os sinais são todos positivos. Aí, é muito fácil, ou aparentemente fácil. Mas, nos lugares onde tudo é inauspicioso, como a pessoa consegue chegar e trazer benefícios para aquele ambiente sem nenhuma retribuição? Só com energia autossustentada.
Shamatha baseada na energia é super útil. E isso é relativamente simples. Porque, por exemplo, no Zen, diríamos assim: apenas sentar, uma instrução mais simples ainda. A pessoa senta. No início, tudo bem, mas na medida em que a flutuação cármica começa a surgir, a pessoa vê a sua energia flutuando. Se a pessoa pretende continuar praticando, vai ter que fazer a energia se ajustar. Como o sentar não é algo conceitual, não é uma questão de ideias, não tem causalidade… Ou a pessoa senta ou não senta. É uma coisa super simples. Para sentar, não adianta ficar pensando em alguma coisa. O melhor é sentar simplesmente. Então, apenas sente.
Esse é um treinamento muito suave. Há outros treinamentos que também são usados no budismo, como por exemplo, a pessoa afasta um pouco os pés, flexiona os joelhos e põe as mãos para frente. Apenas fique assim. A pessoa vai rapidamente descobrir que, se ela não consegue movimentar a energia, não consegue ficar. É uma posição que demanda muito mais. É assim: ou a pessoa manifesta energia ou não manifesta. Não é “eu quero/ não quero”, “eu gosto/não gosto”, não vem ao caso. É muito simples, apenas ponha as mãos para frente. A iluminação é isso. [risos] A pessoa flexibiliza os joelhos e fica.
Então, aqui, nós ainda colocamos o corpo em equilíbrio, sentados, super fácil. Como fazer para a energia se manter? Só isso. Podemos dizer que tem a energia terra, elemento terra. Podemos treinar primeiro essa estabilidade. Quando estamos treinando o elemento terra, pode surgir um nível de tensão. Isso nos ajuda a entender o elemento água. Ou seja, mantemos a estabilidade sem tensão, sem nada contraído nem dentro nem fora, nem no corpo nem na mente. Não estamos fixados, estamos leves. Nessa condição de estabilidade sem esforço, com leveza, percebemos que o corpo se aquece, se cura, se recupera. Aí, o elemento ar assopra esse fogo dentro do corpo, como se o corpo estivesse em brasas ou lamparinas por dentro. E o ar assopra essas lamparinas por dentro do corpo. Assim, a respiração não é com o pulmão, é com o corpo todo.
O elemento terra segue estável, seguimos sem tensão, o calor interno segue e o ar assopra. O elemento éter é a vivacidade da mente. O elemento espaço é o reconhecimento de que estamos fazendo algo particular, algo limitado dentro de uma vastidão de possibilidades.
Depois, nós retornamos e ajustamos elemento terra, elemento água, elemento fogo, elemento ar, elemento éter e novamente o espaço. Vamos meditando ciclicamente assim, trocando, ajustando a prática.
Isso é shamatha com foco na energia. Por que é shamatha? Porque temos um foco na mente, um objeto, uma situação particular. Não é, por exemplo, a meditação de presença, que está ligada ao espaço sem um foco propriamente, apenas uma abertura não cognitiva, não dual. Em shamatha, nós temos uma abertura focada em um objeto. Shamatha sempre tem uma descrição do que nós focaremos.
No ensinamento Iluminação da Sabedoria Primordial, o Dudjom Rinpoche comenta nesse texto-raiz que diz “o profundo estágio da perfeição envolve direcionar a lança de sua energia e lucidez combinadas exclusivamente a um hung vermelho em seu coração”. A pessoa visualiza o hung vermelho, que é parecido com a meditação do Buda da Medicina. Tem um hung vermelho no coração sobre um lótus. A pessoa visualiza isso e mantém esse foco.
Se a pessoa mantém esse foco, mais adiante, prajnaparamita surge. Porque a pessoa está olhando aquilo e vendo as flutuações da mente. E as flutuações manifestam imagens. Poderíamos reagir às imagens ou não. Não reagimos, porque seguimos focando. Então, as imagens se dissipam. Surgem outras imagens, que também se dissipam… Vamos dizer que os demônios, espíritos despeitados e malévolos que surgiam como imagens, todos eles nada mais são do que manifestações mentais. Seguimos desmontando as aparências. Paulatinamente, as outras etapas de sabedoria passam a surgir também.
Tem essa forma de meditação que Dudjom Rinpoche descreve, como também Dudjom Lingpa – a encarnação anterior. Dudjom Lingpa descreve isto: tente não pensar. Mas aí é outra coisa, não estamos focando na energia nem em um objeto como shamatha. Tente não focar em coisa alguma. A pessoa percebe que sempre surgem imagens. Dudjom Lingpa diz que as imagens que se sucedem representam o movimento da mente. Então, guardem a palavra “movimento”. Ele diz que a consciência com respeito a esse movimento é a lucidez. Então, guardem a palavra “lucidez”.
Se nós continuamos mantendo essa lucidez com respeito aos pensamentos que se sucedem, isso é estabilidade. Movimento, lucidez e estabilidade. Ele define: a meditação é a inseparatividade dos três. Ou seja, o movimento, a percepção do movimento e a continuidade disso. Isso caracteriza a meditação. Essa meditação, na verdade, já está desenvolvendo uma proximidade com a prática da presença também. Porque, para percebermos um movimento, nós agimos de modo a privilegiar a estabilidade. Essa estabilidade aberta é o espaço. Então, a meditação do espaço é a meditação da presença.
E ele diz: a percepção do movimento é a lucidez – que ele chama de ripga. Toda a sabedoria que brota do espaço aberto é rigpa, mesmo que não haja prajnaparamita. A continuidade disso é, enfim, a meditação. Mas aqui, nós estamos praticando shamatha. Esse texto é “O Darma Tolo de um Idiota Vestido de Barro e Penas”, de Dudjom Lingpa.
Tem também o ensinamento de Dudjom Rinpoche sobre meditação, recentemente traduzido e disponibilizado na internet.

Shamata e ação de poder (36:55 a 38:53)

Essencialmente, shamatha significa direcionar a atenção para alguma coisa. E, a partir dessa atenção direcionada a alguma coisa, tentar não perder isso, ou seja, tentar não seguir os pensamentos ou imagens que possam surgir ao redor. Esse é o objetivo. Então, o objeto mesmo não tem muita importância, porque precisamos fazer uma ancoragem da mente em alguma coisa. Para que saibamos que, se a mente se dispersou, é porque ela se distraiu daquele objeto. Nós trabalhamos esse aspecto de dispersão, essa impulsividade, essa propensividade… Surgem aparências, imagens e nós seguimos. Nós estamos trabalhando para não seguir as imagens. Esse é o treinamento.
No que diz respeito às quatro formas de ação no mundo, isso significaria o treinamento da ação de poder. Curiosamente, essa ação de poder é o poder de não ser arrastado, de manter a estabilidade. Nós perdemos o poder dentro já, diretamente, no sentido de que alguma coisa surge e a nossa mente corre atrás, sem que entendamos.
A prática de shamatha nos ajuda diretamente nisso. É a prática de poder, diretamente. Sentamos e praticamos poder. Ficamos poderosos. Não nos abalamos. Não nos movemos.

Diferença entre elemento éter e espaço (45:35 a 48:33)

O éter seria a vivacidade da mente. Ou seja, na ausência de objetos, a mente viva, tem uma noção de modulação da energia. E o espaço não tem centro, nem bordo. A manifestação do espaço é o acolhimento daquilo que é particular. É o acolhimento da multiplicidade de pensamentos, de formas, de sentimentos, de sensações e energias. O espaço, quando acolhe, não fica limitado. Mesmo acolhendo, ele pode acolher mais e mais… Ele não tem limite no acolhimento. O espaço não fica marcado por nenhum aspecto particular que possa ser construído. O espaço não tem propriamente uma manifestação tangível. Ele acolhe as manifestações tangíveis.
O éter é assim: se você estiver com uma sonolência, é como se estivesse entrando em colapso. A mente perde a capacidade de discernimento, discriminação, clareza e foco. O elemento éter está entrando em dissolução. Se a energia se reduz, o elemento éter está perdendo a nitidez. Ele é um aspecto particular, construído, alguma coisa que existe dentro do espaço. Do mesmo modo que o elemento terra e os outros existem dentro do espaço, o elemento éter também existe dentro do espaço. Ele não é espaço. É o aspecto abstrato do brilho.

Sono, modulação da energia e autonomia (53:20 a 1:03:10)

É assim: estamos sentados praticando shamatha, como no Zen. A pessoa está fazendo prática sentada e meio cansada. Aí, tem uma que já começa a balançar, querer cochilar… Vem o mestre, toca o ombro e “pá”, bate o kyosaku. A pessoa e a sala inteira acordam. Então, tem uma reverberação do elemento éter. Como as mentes são inseparáveis, o mestre bate em um, mas o elemento éter acorda em todo mundo. Agora, a pessoa pergunta: eu estava com sono, o outro apanhou e eu acordei… Isso seria a inseparatividade dos seres? E o que significa eu estar acordado? Tinha um sono invencível, agora surgiu alguma coisa. O que é isso que aconteceu dentro? Por quê?…
Então, a modulação seria este aspecto: o olho brilha ou o olho está apagado. Vamos fazendo prática e sentindo isso. O mestre Dogen vai dizer “Apenas sente.”. O que vai acontecer? A pessoa se dá conta de que, se ela pensa em alguma coisa, a energia acompanha. Quando ela suprime aquilo, está sustentada num vácuo. Se pensar em alguma coisa, a energia volta. Aquilo cessa, a pessoa se mantém por um tempo. Com o tempo, a pessoa vai praticando e descobre a capacidade de se manter sem nenhuma razão, sem nenhuma causa, sem nenhum movimento. Ela se mantém de um modo autônomo. Isso é sabedoria de poder. A ação de poder está ligada a essa capacidade. Ou seja, nós nos movemos no meio das coisas que têm sinais variados e fariam a nossa energia subir e descer, mas a nossa energia permanece estável. […] Essa conexão da energia também nos permite entender o kadima, uma coisa que não é muito falada: o aspecto sutil nos objetos. Por exemplo, estamos meditando. Surge um objeto na mente, que pode ser abstrato ou tangível. A nossa energia muda. E temos a impressão de que a energia veio do objeto, essa é a visão. Mas nos olhamos o kadima do objeto. É como se fosse a qualidade que o objeto tem de produzir uma ação em mim. É uma propriedade sutil do objeto. É assim: surge o objeto e eu descubro que, se o objeto manifestou o kadima, eu já tenho isso dentro. Não preciso do objeto. Beneficiado pela benção do objeto e da contemplação do kadima, eu descubro que essa energia está presente em mim e posso manifestá-la. Então, eu trabalho na habilidade de manifestar essa energia sem a necessidade do objeto.

Vídeo do ensinamento completo

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