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Budismo, meditação e cultura de paz | Lama Padma Samten

Enquanto praticante, como transitar pelas questões políticas?

“A posição do budismo não é se filiar a uma posição construída, mas ajudar os seres a olhar de uma forma mais ampla.”

O que o que acontece é assim, por exemplo, o Buda diz: “Não presencie batalhas e não seja mensageiro entre conflitos; não ajude levando mensagens e articulando conflitos.” Eu acho que isso está correto. Por quê? Porque, se nós nos posicionarmos dentro do samsara, é como se, por exemplo, estamos dentro da meditação buscando a lucidez sobre como as coisas se constroem e quando passa um pensamento julgamos e tomamos partido dentro daquilo. É assim. Então, isso vai fazer o quê? Vai gerar um impedimento de contato com muitos outros seres. Carmicamente, nos posicionamos. Então, eu respeito se as pessoas adotarem posições, eu acho perfeitamente normal, mas eu não faria isso e não aspiraria a que isso fosse feito.
Eu vejo assim: esses aspectos todos são cármicos, são inextricáveis. Os aspectos que estão sendo julgados não são relativos à sabedoria. Eles são aspectos causais. As pessoas não têm a visão ampla. Elas estão presas em seus mundos de sofrimento. Elas estão passando por situações cármicas e se quisermos resolver o sofrimento das pessoas mudando as aparência onde elas estão, logo em seguida elas andam mais dois passos e se defrontam, de novo, com os sofrimentos usuais, porque elas não estão se movimentando senão por dentro do samsara, com interesses autocentrados e totalmente afastados das sabedorias. Então, aquilo vai bater de frente, inevitavelmente. Agora, se adotarmos posições dentro disso, se formos cooptados por esse movimento, é parecido com torcer por time de futebol. O carma está todo intrincado. Você não consegue retirar isso.
A visão budista é assim, por exemplo, se as pessoas estão dentro do mundo político ou dentro do mundo do samsara elas pensam: “se eu não me posicionar, eu vou ficar parado?” Os budistas não estão parados, eles só têm uma outra agenda, eles estão funcionando de um outro jeito. Mas eles funcionam. Olhem as transformações políticas que ocorreram desde o aparecimento do Buda na Índia. Olhem tudo que já ocorreu. Se o budismo tivesse se aliado a qualquer coisa, estava destruído, não tinha a capacidade de lucidez. Então, a essência do budismo é poder olhar desde uma posição de lucidez, que é não construída. Enquanto que os vários aspectos em jogo, eles não são aspectos que aspirem a uma posição não construída. Eles se enrijecem em posições construídas. Então, a posição do budismo não é se filiar a uma posição construída, mas ajudar os seres a olhar de uma forma mais ampla. Essa é a posição do budismo.
O Buda, não participando das várias lutas políticas, se movimentou. Mas ele, por exemplo, não queimou pneus e propôs a derrubada do rei pra extinguir as castas. O que ele fez? Ele acolheu os sem castas. Ele acolheu! Os brâmanes, na sanga do Buda, sentavam ao lado dos sem castas. Foi assim que ele fez. Mas ele não fez uma campanha nacional, ele não entrou neste processo.
Isso é muito parecido com a posição do Gandhi. O Gandhi também se levantou, foi até o mar e colheu o sal. Os ingleses foram contra ele, mas ele não foi contra os ingleses. Assim, ele não participou deste processo. Cada vez que os ânimos subiam e se posicionavam contra os ingleses, ele defendia os ingleses. Ele dizia: nós não temos problemas com os ingleses, o problema é que a relação entre os indianos e os ingleses está intermediada pelo fuzil. Mas não deveríamos nos relacionar pelo fuzil, devíamos nos relacionar de uma forma humana. Ele olhava os ingleses em um nível elevado, como os indianos também. Assim, ele não tinha inimigos.
Quando veio a guerra, o Gandhi ajudou a montar grupos indianos que foram participar como enfermeiros e médicos na guerra. Ele chamava isso de ahimsa, mas ahimsa e satyagraha não quer dizer ficar parado. Ahimsa, hoje se transformou, ela foi absorvida pelos movimentos sociais, como a nossa capacidade de juntos assumirmos e fazermos coisas que precisam ser feitas. Está certo que os movimentos sociais frequentemente esquecem o aspecto mais amplo da questão, eles pegam apenas o aspecto ativista. Eles esquecem do aspecto de paz, de não demonizar o outro.
Então, Gandhi era um ativista que não demonizava, não considerava que o outro era um adversário, era um obstáculo. Ele tentava cooptar, tentava fazer convergir para uma mesma visão. Ele foi morto pelos próprios indianos, que eram aqueles que imaginavam que sem uma luta armada não se conseguiria uma vitória efetiva contra os ingleses. E o Gandhi conseguiu! Então, ele enfraqueceu os movimentos que eram radicais. Ele foi morto por um radical hindu. E ele propunha que não houvesse a cisão entre os islâmicos e os hindus, porque todos têm a natureza divina. Mas a partir desse ponto, carmicamente, surgiu o Paquistão. Aquilo tudo seria a Grande Índia, onde os islâmicos e os hindus viveriam juntos. Aí o que acontece? O que acontece é que no Paquistão praticamente não tem hindu, mas na Índia tem islâmicos. A Índia, enfim, foi pátria para a multiplicidade de religiões, enquanto que os islâmicos se entrincheiraram no Paquistão. Ainda que Gandhi tivesse toda aquela posição pacífica, as pessoas se mataram, literalmente se mataram. Quando os trens levavam os hinduístas de volta para a Índia, os trens inteiros chegaram com pessoas sem cabeça, decapitadas!
Esta posição é uma posição parecida com a posição budista: Gandhi evitou adotar um posicionamento, o que para ele seria muito natural, porque, afinal, ele era indiano. Ele olhava desta forma ampla.
Ensinamento oferecido por Lama Padma Samten em 11/04/2018, no templo do CEBB Caminho do Meio.

Veja o vídeo completo do ensinamento

O trecho transcrito começa em 1:24:27.


Transcrição: Rossano Flores e Priscilla Ramalho Lepre
Revisão:Carmita Padma Yeshe e Joana Braga
Edição: Stela Santin

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