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Budismo, meditação e cultura de paz | Lama Padma Samten

Responsabilidade universal

por Lama Padma Samten

A visão mais elevada do Buda é viável em meio ao “mundo real” ou é apenas uma utopia fora de seu tempo? Como agir segundo os princípios budistas em meio ao mundo e como desenvolver a visão e a compaixão para a construção de uma cultura de paz?

Como coabitam os dois universos cognitivos, o universo convencional e a visão profunda do Buda? Será possível manter uma visão espiritual profunda e, desde essa visão profunda gerar uma linguagem que também faça sentido para os seres que estão confundidos no mundo convencional? É possível que estes mundos se toquem? Como, a partir da lucidez, gerar um corpo de manifestação que possa ser visto e entendido pelos seres confusos, manifestar-se através dele com prioridades que tenham sentido convencional e fazendo com que, ao mesmo tempo, estas prioridades representem de forma fiel a visão espiritual mais elevada? Como fazer o casamento desses dois mundos? Como compreender de modo profundo a questão da felicidade e da infelicidade em meio ao mundo?

Visão condicionada, lucidez e compaixão

É necessário primeiro situar essa questão dentro dos próprios ensinamentos do Buda. Por quê? Porque a visão de mundo convencional é a visão de samsara, é a visão do mundo ilusório e, portanto, não oferece a adequada linguagem para tratarmos apropriadamente a questão. Já o ensinamento do Buda trata da visão da realidade em uma linguagem profunda e abrangente.
A visão ilusória surge da separatividade e tem sequência com a responsividade. Assim se estrutura essa visão. É o 1º elo dos doze elos da originação interdependente ensinado pelo Buda, é avidya, a ignorância. A lucidez corta a visão condicional e ignorância que praticamos e sustentamos quando estamos ligados ao mundo ilusório. No budismo tibetano esta lucidez que corta a ignorância é simbolizada por Manjurshi, o príncipe do Darma do Buda. Aquele que carrega a espada do Darma que corta o engano.
A porta de entrada no mundo ilusório é também a porta de saída. Quando superamos avidya ultrapassamos as limitações de samsara. Quando focamos avidya e examinamos nossos enganos, vemos que, a este nível, não há propriamente emoções, não há ainda a operação da visão seres humanos, visão mais limitada ainda. Nós estamos lidando com uma operação mental artificial mas que não pertence aos seres humanos em particular, mas está presente na base das dificuldades de todos os seres sencientes, do menor ser ao maior, aos seres alados, aos que vivem sob a terra ou na água. Sob este ponto de vida avidya toca toda a vida. Toca os seis reinos, toca toda a roda da vida; todos eles estão presos aos doze elos e portanto a avydia, o primeiro deles.
Enquanto descrevo isto, mesmo que estejamos tocando pontos de extrema importância, não há emoção ou tensão nas conclusões ou no raciocínio. Estamos examinando a “operação da mente”. É uma forma de inteligência diferente da inteligência convencional humana. É o processo que os meditantes acessam, mas não é algo que possa ser traduzido facilmente na linguagem do cotidiano. A maior parte das pessoas não vê isso, não consegue detectar; mesmo que elas sejam introduzidas a isso. Eventualmente elas reconhecem, mas daqui a pouco elas perdem a capacidade de reconhecimento e é muito difícil que elas alterem a sua própria ação a partir disso que é tão volátil.
Então, ainda que esta visão seja de grande importância, é muito volátil, é muito difícil, é muito sutil de ser percebida e de ser traduzida em alteração do nosso próprio comportamento. Portanto, ainda que seja uma verdade, nós precisamos de uma linguagem que seja entendida pelas pessoas e assim nós vamos precisar da abordagem compassiva e amorosa simbolizada por Chenrezig, o Buda da Compaixão.
Ainda que a abordagem de Chenrezig esteja estruturada na compreensão da Verdade Última, ela produz um outro tipo de linguagem no contato com as pessoas. É uma abordagem que desenvolve uma linguagem que aceita a forma como o outro está reconhecendo a realidade.
Mesmo nas formas que brotam da visão ilusória com que os seres reconhecem a realidade, existe ali uma união perfeita, completa, entre o mundo ilusório e o mundo ilimitado. A experiência de lucidez incessante está sempre disponível como possibilidade, uma experiência tal que se vê a inexistência de separação entre a aparência convencional e a natureza última.
Há o reconhecimento de que dentro da aparência condicionada há a incessante presença e ação da natureza última. E assim, mesmo que haja o surgimento das aparências condicionadas, esse próprio reconhecimento já manifesta a natureza última. Assim os praticantes da lucidez da perfeição da sabedoria (Prajnaparamita), mesmo em meio ao jogo das aparências das mentes obstruídas, nunca se perdem, primeiro porque eles não rejeitam as aparências, e segundo porque eles contemplam a natureza última justo dentro do que surge como aparência condicionada. Assim opera a visão da inseparatividade entre o mundo aparente e a natureza ilimitada. Sua Santidade o Dalai Lama é um exemplo disso, ele que tem esta estabilidade de visão da Natureza Última e, ao mesmo tempo, manifesta a capacidade de chegar às pessoas e falar na linguagem delas.

Compaixão como exercício da liberdade natural

Por que parece tão difícil para nós? Percebemos que perdemos a clareza diante das condições quando operamos como alguém que está jogando um jogo a partir de uma identidade; ou seja, nos colocamos no mundo a partir de uma identidade e vemos surgir as respostas automáticas que aquela inserção exige de nós. Ou seja, quando cada um de nós diz “sou isso”, então, naturalmente dá-se conta que no mundo tem de fazer isso e fazer aquilo. Tão pronto construímos o ator, o script está pronto apontando o que temos que fazer. Em resumo, a própria identidade, ou seja, o 10º elo (bhava) nos obriga ao 11º (jeti) que é como a ação incessante dos equilibristas fazendo coisas. Quanto mais rápido e mais perfeitamente respondermos de acordo com o nosso papel, parece que é melhor. Isso é a responsividade.
Contemplemos agora essa capacidade de surgir no mundo de forma livre capaz de reconhecer os vários tipos de universos onde as pessoas habitam, reconhecer suas diferentes paisagens mentais e os sucessivos problemas que aquelas paisagens mentais e formas de comportamento produzem. Vemos que isso só é possível quando a pessoa não está jogando um jogo pessoal particular. Se a pessoa está fazendo um jogo próprio ela olha para o outro sempre com a tendência a buscar apoio para seu próprio jogo.
Olhando com liberdade a experiência é diferente, original. Surge a possibilidade de entender como o outro vive, quais são os problemas que tem, mas ela mesma, enquanto identidade convencional não tem nenhuma inserção dentro desse jogo, nenhuma responsividade. Vê-se que essa liberdade é necessária e faz grande diferença. Se pudermos atuar com essa liberdade, então a compaixão é possível. Se não pudermos olhar com essa liberdade, a compaixão verdadeira não é possível.
Observe, essa compaixão só é possível se nós pudermos manifestar a liberdade frente a nós mesmos. Se nós atuarmos como alguém fazendo um jogo, mesmo que traga benefício ao outro, trata-se de um acordo, uma conveniência, não é propriamente uma manifestação de compaixão na forma como os bodisatvas praticam. Então essa é a conexão com o mundo e ao mesmo tempo a liberdade. A conexão que os seres de sabedoria têm com o mundo é através desse método. É assim que eles mantêm a liberdade frente às condições do mundo de modo que eles mesmos não se prendem.
O que esses seres de sabedoria vão ensinar para as pessoas? Eles vão ensinar como sair do ponto onde elas estão e avançar etapa por etapa até a própria lucidez e liberdade que eles manifestam. Então aí surge uma etapa de treinamento, um caminho gradual que podemos estudar passo a passo, segui-lo, completá-lo. O caminho gradual nos encontra onde estamos e nos conduz paulatinamente à condição de bodisatvas, aquela condição onde estamos livres da limitação do autointeresse e vivos, sustentados pela energia dinâmica que sustenta a todos os Budas.
Vemos que esta forma de liberdade manifesta-se como um outro tipo de inteligência. Essa inteligência permite trazer benefícios aos seres dentro do mundo condicionado onde eles se sentem existindo, usando a própria linguagem desses seres, manifestando lucidez e liberdade.

Caminho para a liberdade através da visão, meditação e ação no mundo

Dentre as formas tradicionalmente usadas, apresento este caminho aos meus alunos dividindo-o em três partes. Os ensinamentos ligados ao conteúdo (visão), os ensinamentos que estão ligados à meditação e ensinamentos que estão ligados à ação.
Naturalmente nós vamos começar com o conteúdo. O conteúdo que se descortina através da visão ultrapassa as limitações cármicas e obstruções da mente. Para tornar esta visão mais estável e nítida, mais disponível de forma prática, nós usamos a meditação. Depois, ultrapassando a obstrução mental caracterizada pelo auto interesse percebemos que estes ensinamentos têm por culminância a operação lúcida em meio ao mundo para benefício dos seres — a ação.
Percorrer o caminho para nos isolamos em algum lugar tentando nos afastar do mundo não faria qualquer sentido na perspectiva budista. Seria algo como por exemplo, um médico aprender medicina e dizer “bem, agora eu aprendi medicina e posso me isolar das doenças”, ou de uma enfermeira dizer “bom, agora eu já sei muito bem como me cuidar, sei como me isolar”.
Na verdade nós vamos aprender e seguir o caminho como quem busca métodos para agir lucidamente e com liberdade no mundo. Então a terceira parte do caminho surge de forma natural — ou seja — ação no mundo. Nós voltamos ao mundo, reencontramos os seres e temos meios efetivos para estabelecermos conexões positivas.
Temos então a visão produzindo a compreensão e se estabilizando pela meditação. Com a visão estabilizada podemos agir lucidamente e livres do carma mesmo em meio ao mundo. Assim podemos entender como o caminho espiritual, com todas suas disciplinas e meios hábeis, culmina na ação em meio ao mundo.
A minha experiência é que o budismo desenvolve a visão de modo muito profundo. A minha conexão com o budismo vem devido ao reconhecimento da lucidez dessa abordagem da visão. Tenho completa fé nos budas, nos seres de sabedoria e por isso ensino através do budismo. Mas não é uma fé cega. Porque olhei com a mente crítica, analítica, e através da minha própria experiência vi no budismo esse conjunto de métodos.

Visão e responsabilidade universal

O conteúdo começa com a apresentação da noção de um bom coração, ou seja, com a noção de responsabilidade universal e, ao final, culmina na nossa capacidade de libertos, lúcidos, podermos agir dentro do mundo. A própria noção de responsabilidade universal nunca chega a ser abandonada, é usada em todas as etapas de modo mais e mais refinado, atingindo a culminância como a própria ação do bodisatva. O referencial da responsabilidade universal e do bom coração é o ponto de entrada no caminho e o apoio seguro em todas suas etapas até o final.
A noção de responsabilidade universal, um bom coração, vem da compreensão inicial de que todos nós somos seres interdependentes. Ao dizer isso estou retornando à linguagem usual do mundo, a linguagem onde os seres são vistos como se fossem separados, onde se dá nome para cada um de nós.
O primeiro movimento de retorno a compreensão mais elevada e ver que somos interdependentes, é o primeiro passo do caminho em direção à compreensão mais sutil. Por exemplo, a roupa que usamos não foi feita por nós, a comida que nós comemos não foi plantada por nós. Mesmo que ela tenha sido plantada por nós, ela foi gerada por outros seres que são capazes de fazer coisas que nós não fazemos, como por exemplo, a fotossíntese. Não somos capazes de retirar nutrientes do solo, do ar, sintetizar proteínas, armazenar energia na forma de carbono, etc, para produzir o alimento. Nós não sabemos como fazer isso. Podemos comer e jogar fora sem perceber a inseparatividade que temos em relação a todos os seres.
Dessa compreensão começa a surgir a noção de interdependência e responsabilidade universal: somos inseparáveis, para preservar nossas vidas precisamos preservar as vidas deles. Se mantivermos uma visão estreita que surge da responsividade cármica automatizada não alcançaremos a noção de responsabilidade universal e inevitavelmente enfrentaremos problemas graves decorrentes da falta de uma visão mais ampla. Em meio às dificuldades lentamente talvez comecemos a analisar nossa situação e a dos outros seres e compreendemos que desejamos a felicidade e queremos evitar os sofrimento, assim é preciso que alimentemos essa coletividade de seres e nos harmonizemos ao universo. Se simplesmente predarmos esse universo, pode ser que no futuro aquilo que eu aspiro como felicidade não seja mais possível, porque a felicidade não é algo que a gente possa obter de forma isolada.
Somos dependentes do ambiente em todas suas formas. Não dependemos apenas do ambiente vivo mas também de estruturas “não vivas”. Por exemplo, podemos dizer que a temperatura do nosso corpo nesse momento é regulada pelo metabolismo, queima de mais carbono ou de menos carbono, associada aos batimentos cardíacos, à respiração, etc. Isso é uma verdade, mas uma verdade parcial, porque nós dependemos da temperatura ao nosso redor. A regulação metabólica é uma pequena fração apenas, porque nós estamos recebendo irradiação do ambiente o tempo todo. Como podemos ver isso? Por exemplo, se o ambiente não irradiasse calor sobre nós isso significaria que o ambiente estaria 0ºK, ou seja, a -273ºC, e nós congelaríamos rapidamente. Não há respiração ou metabolismo que sustente essa necessidade. Nossa pele congelaria, quebraria toda. Precisamos do calor que as paredes emitem sobre nós. Já nem é o calor que o ar ao encostar proporciona, e sim o calor da irradiação física dos corpos no ambiente.
Percebemos, então, que estamos completamente dependentes do mundo vivo ao nosso redor e do mundo material também. Vamos entendendo lentamente que tudo o que fizermos para esse mundo ao redor ia produzir resultados sobre nós. Se agirmos de uma forma correta, nós obtemos resultados positivos. Se agirmos de uma forma negativa, nós vamos colher resultados negativos.
Isso vai nos conectar com a necessidade de criarmos relações positivas em quatro níveis. É natural que devemos criar um relacionamento positivo com o ambiente natural, proteger o ambiente social ao nosso redor, promover relações interpessoais positivas e também olhar para nós de forma mais lúcida e benigna, fazendo o que seja melhor para a nossa saúde e para sustentar nossa vida e evitar aquilo que a afeta negativamente. É preciso examinar de modo claro para como estamos estabelecendo nossas relações nesses quatro níveis.
Este é o olhar da responsabilidade universal, um tema a ser tratado de modo prioritário. Os educadores podem tratar desse tema, as escolas podem fazer isso. Deveria ser um tema transversal em qualquer atividade nossa em qualquer âmbito que seja. Não faz sentido, por exemplo, um cientista criar perturbações a esse ambiente. Todas as atividades de todos os seres deveriam estar relacionadas a esse princípio de responsabilidade universal. No que diz respeito à legislação, podemos entender o princípio de responsabilidade universal como uma extensão natural da declaração universal dos direitos humanos. Para verdadeiramente preservar a vida humana precisamos do princípio da responsabilidade universal.
Quando percebermos isso, mesmo que não tenhamos gerado ainda a noção sutil de unidade e de não separatividade (a visão mais elevada), já há a noção de rede, a noção de que atuamos em rede, somos interdependentes e que felicidade e segurança só podem ser efetivas dentro desta visão de interdependência. Percebendo assim, vemos que somos fortes não porque conseguimos arrancar coisas dos outros, mas porque somos capazes de nos harmonizar em uma coletividade ampla.
Nós somos capazes de trabalhar dentro de um sentido coletivo e ajudar pessoas que nem conhecemos. Somos capazes de construir estradas que todos usam, somos capazes de construir pontes que todos usam, somos capazes de construir redes elétricas, redes de telefonia que todos usam. Somos capazes de organizar estudos para ver o impacto humano sobre os outros seres. Somos capazes de aspirar a redução desse impacto. Somos capazes ver a prioridade da preservação de florestas, da preservação do mar, da preservação dos seres em vários âmbitos. Entendemos isso. Somos capazes de plantar árvores hoje para que as gerações futuras usem. A responsabilidade universal é natural em nossos corações, é a visão que constrói a noção de cultura de paz. A cultura de paz reside em nossos corações como uma aspiração maior.
Sempre fico comovido ao reconhecer o esforço de Sua Santidade o Dalai Lama em estabelecer a visão da responsabilidade universal e, assim, os verdadeiros fundamentos de uma cultura de paz que talvez ele nunca veja com seus olhos dessa vida mas que certamente vê com os olhos puros e atemporais de um Bodisatva.

A naturalidade da responsabilidade universal em meio ao mundo “real”

Muitas vezes nos parece que a lógica do “mundo real” é vitoriosa sobre as nossas aspirações elevadas e visões espirituais que terminam por mostrar-se frágeis diante da concretitude das circunstâncias. Na visão budista não é assim. Quando nos comportamos ferindo as relações, temos problemas. Quando promovemos relações positivas somos recompensados.
Se criarmos condições favoráveis para os outros seres, estabelecemos relações satisfatórias; então surge felicidade para nós. Por outro lado, se nós exercemos ações ásperas, negativas, agressivas com os outros seres, nós não conseguimos construir uma civilização, porque uma civilização não é construída pela agressão, mas pela coordenação a partir de uma aspiração de paz e harmonia entre as pessoas e seu mundo. Nenhum ato corrupto e agressivo constrói relações positivas e portanto não produz felicidade e segurança e nem cultura sustentável, não importa o quão poderoso seja.
Esta compreensão não é algo artificial. É como se estivéssemos em uma escola da vida onde aprendemos que fazer assim é melhor e que fazer de outro modo é catastrófico. Não é necessária uma ética artificial basta aprendermos com a experiência real que todos temos durante nossas vidas. A noção de responsabilidade universal nos leva em direção a uma cultura que reconhecendo isso vai ser naturalmente uma cultura de visão ampla e paz.
A conexão da responsabilidade universal com a visão espiritual é introduzida por S. S. o Dalai Lama através da seguinte reflexão: “Não importa quanto poder tenhamos, nem quanto recursos tenhamos, a felicidade vai depender de nossa dimensão de afeto, de carinho, de compaixão e de amor. Se nós não tivermos isso, a nossa vida vai parecer muito infeliz e sem sentido”. Nós, seres humanos, somos cooptados por uma aspiração de atingir poder e recursos, mas isso é um engano. Esses poderes e recursos não vão proporcionar a experiência que todos buscamos e que só vem com compaixão, amor e afeto.
No tempo da nossa cultura atual vemos ações de desenvolvimento que não contemplam estes valores, é como se fossem originadas fora do âmbito humano. São geradas por uma lógica que não é mais propriamente humana uma vez que não tem por objetivo explicito trazer felicidade e reduzir o sofrimento, mas são referenciadas por números abstratos e sem emoção.
As organizações referenciadas assim não têm emoções humanas mas têm aspirações de dominação e de recursos. Dentro dessa perspectiva podemos dizer que nós, seres humanos, estamos quase “colonizados” por este tipo de inteligência alienígena. Ou seja, é como se surgisse uma “inteligência”, que não é uma inteligência humana propriamente, e que começa a gerar os processos todos com uma lógica própria onde a felicidade ou infelicidade dos seres humanos nem é contemplada. E aí, nós, seres humanos, temos que nos juntar e priorizar a reintrodução dos valores humanos. Nossa fragilidade é sermos cooptados por este tipo de inteligência cuja ação, se continuada, não apenas nos trará crescente infelicidade como também destruirá o suporte da vida sobre o planeta.
Sob o ponto de vista dessa inteligência não humana e fria, quando nós não estamos bem, ela não oferece uma visão investigativa que busque a origem dos desequilíbrios, mas indica soluções externas na forma de substâncias químicas de felicidade ou de alívio ou apoio psicológico como se você fosse unilateralmente desequilibrado. Em todos os momentos há por trás a visão de que a realidade é sólida na forma como se oferece, assim é o mundo real. Surge sempre a sugestão: reprograme sua mente, pois o problema é seu! A verdade é isso que está aqui!
Entendendo assim tentamos nos “ajustar”. As dificuldades são tratadas a portas fechadas como se fossem problemas individuais. Mesmo que a introdução desta cultura acarrete o surgimento de uma epidemia de doenças comportamentais e emocionais o que as pessoas pensam é: “esse desajuste é meu!” O problema parece individual e a pessoa é tratada individualmente. Surge uma epidemia de pessoas que se drogam e são tratadas uma a uma. Surge uma epidemia de pessoas que não tem inserção social e que tentam romper isso do jeito que puderem, e aí também são tratadas com violência, uma a uma. Gostaria de ver estudos estatísticos que tratem disso.
Em dois pontos temos o desequilíbrio. As pessoas que abandonam a visão ampla e tentam em vão obter o resultado de felicidade e segurança que almejam e as pessoas que mesmo aspirando não encontram a entrada e estão alijadas deste processo também ficam infelizes. Em nenhum ponto há um ganho real.
Este é o desafio. Sem uma cultura de paz, sem a visão da responsabilidade universal a vida se torna insatisfatória e a própria sustentabilidade da biosfera fica ameaçada. Nesse sentido o mundo real enquanto o mundo possível e sustentável é o mundo da cultura de paz e não o mundo como pensamos que ele é desde nossas visões obstruídas!
* Este texto está baseado na transcrição de uma palestra na comunidade do Coque, em Recife, em 12 de agosto de 2004. É um trecho do livro Mandala do lótus, de Lama Padma Samten.

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