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Como desenvolver um olhar compassivo para pessoas que geraram muito sofrimento para outros seres?


Essa recomendação não é muito simples, porque o ponto principal para a gente poder ter uma liberdade frente a isso é a bolha onde nós estamos. Se a gente estiver na bolha do conflito é muito difícil dizer “bom, agora vou praticar Metabavana, que a pessoa seja feliz, que supere o sofrimento…”, é super difícil isso.  Mas se a gente estiver numa mandala, essa postura é super natural, não tem esforço nenhum. Fica até sem graça! Porque não há um conflito de fato. A questão é saber como a gente sai da bolha específica e anda em direção a uma mandala, esse é que é o ponto, ou seja, como a nossa percepção de mundo muda?
Uma outra forma de explicar é assim: se a gente estiver no meio do jogo onde a ação decorreu, a gente tem dificuldade de se sentir livre para pensar de um outro modo.  Mas se a gente sair daquilo é mais fácil. A gente pode explicar de um outro jeito ainda: se passar dez anos, vinte anos, cinquenta anos, não é garantido, mas é provável que aquilo se modifique. Mas não é o tempo que modificou, é o fato de que a pessoa mudou de bolha, ela está em um outro lugar. Naquele outro lugar, aquilo não tem mais importância.
Então, esse é o aspecto, ou seja, o conjunto de realidades que nos cercam e a que nós damos sentido dão um aspecto muito forte e aflitivo para certo tipo de experiência que a gente possa ter vivido. E negar essa experiência é muito difícil quando nós estamos dentro do ambiente correspondente.
É mais fácil a gente mudar o ambiente, a paisagem, e depois mudar a experiência. Para mudar o ambiente no budismo tibetano existem os Quatro Pensamentos que Transformam a Mente. Esses Quatro Pensamentos eu acho muito transformadores! Eles são precedidos por um e são sucedidos por outro, então, na verdade, são seis pensamentos. A gente começa com Guru Yoga: a gente lembra da linhagem, lembra dos Budas todos.  De modo geral, quando a gente lembra dos Budas, os problemas já desapareceram!
A gente pensa: “os Budas,  geração após geração, juntamente com os mestres, manifestaram os ensinamentos para benefício dos seres.  Os seres estão super atrapalhados, completamente dependentes das impressões que brotam de olhos, ouvidos, nariz, língua e tato.  Eles oscilam pelos seis reinos. Que maravilha seria se os Budas pudessem chegar a todos os seres”. Esse é um pensamento de Guru Yoga. E tem uma aspiração de que a gente consiga manifestar isso nessa vida.
O primeiro dos quatro pensamentos é a Vida Humana Preciosa. Nós temos hoje  uma vida humana dotada de liberdades e dotes, ou seja, a gente pode fazer práticas, a gente pode estar num bom lugar onde existem os ensinamentos, o Buda deu os ensinamentos, que se preservaram com o tempo, eles existem no lugar onde nós estamos e nós temos condições físicas, nós estamos com o corpo humano, os ensinamentos existem para os seres humanos, estão traduzidos na linguagem humana, então a gente pode aproveitar isso.
Além do mais, nós temos as liberdades, a gente não está sob o domínio de outros seres. Nós não estamos sob circunstâncias negativas que nos impeçam verdadeiramente de seguir o caminho. Então, a gente se alegra, verdadeiramente. A gente não está na situação, por exemplo, dos animais, que estão totalmente dominados pelos seres humanos, que pegam o corpo deles, cortam em pedaços e vendem os pedaços. Não estamos na condição dos outros seres que são perseguidos e não têm mais lugar para viver na natureza. A gente não está nessa condição, está na condição humana que é muito favorável. Então a gente se alegra também com isso. Aí a gente se dá conta de que é possível obter algum resultado nessa vida.
O segundo pensamento é o fato de que a impermanência existe  e as condições favoráveis podem, repentinamente, desaparecer. E, entre as condições desfavoráveis que podem surgir está justamente a posição inadequada da nossa mente que nos tira a ênfase no caminho. Além do mais, nós podemos morrer, nós podemos adoecer, podemos perder as habilidades, e podemos ficar sob o domínio de outros seres, tudo isso é transitório.
Então, vem o terceiro pensamento que transforma a mente: o carma.  Nós temos estruturas cármicas. É uma questão de tempo: essas estruturas cármicas terminam gerando  ações. Essas ações, quando motivadas por uma visão cármica, de modo geral,  produzem sofrimentos para nós e para os outros.
É  essencialmente inevitável que,  se a gente não andar mais ou menos rápido, a própria estrutura cármica que nós temos termina gerando sofrimento. Então, esse é o quarto pensamento.
Depois vem o sexto pensamento: haja visto isso, eu tomo refúgio no Buda.
Os quatro pensamentos são: vida humana preciosa, impermanência, carma e sofrimento. Tem mais um antes dos quatro, que é Guru Ioga e um depois, o sexto, que é o refúgio no Buda.
Nesse momento, pode ser que a gente consiga dizer para todos os seres em geral: “que todos os seres sejam felizes, superem o sofrimento, encontrem as causas verdadeiras da felicidade, superem as causas verdadeiras do sofrimento, pois eles estão ferrados!” As pessoas, se comportando bem ou mal, não estão nada bem, pois estão submetidas à duka, à insatisfatoriedade, estão passando por transmigrações sucessivas sem direção. 
Então, a gente aspira que as pessoas possam superar duka.  A gente volta e olha para esses seres que correram atrás de nós e disseram coisas inapropriadas, que nos julgaram por isso e por aquilo. A gente vai ficar com dó deles! Porque eles estão simplesmente manifestando a estrutura de carma deles.
Quando a gente conseguir fazer metabavana para eles: que sejam felizes, superem o sofrimento, encontrem a felicidade e as causas da felicidade, pode ser que depois eles batam na porta e façam mais bullying! Aí a gente pensa: “Uau! Eles estão perdidos, totalmente perdidos.”
A pior coisa que pode acontecer conosco quando nos defrontarmos com outra pessoa que vem com uma atitude negativa é nós nos tornarmos sensíveis a isso. Quando a gente se torna sensível, a gente tem uma tendência a copiar a mente do outro e fazer exatamente como o outro. Então, isso não só é um problema que o outro tem, como é um tipo de doença contagiosa. Se a gente não tiver muito cuidado, a gente se contagia também, a gente é arrastado. O pior efeito que pode acontecer a partir da ação do outro é nós sermos arrastados para o mesmo ambiente onde ele está vivendo. Eventualmente, depois ele sai e nos deixa lá.
Então, o melhor é transformar a visão sobre a realidade toda, em todas as direções, e depois olhar a questão particular.
Ensinamentos oferecidos por Lama Padma Samten no dia 13/11/2018 no CEBB Caminho do Meio. 
Transcrição: Clarissa Gleich e Kimberly Costa
Revisão e edição: Stela Santin

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