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Dissolução do Estado | Lama Padma Samten

Transcrição de um trecho do ensinamento oferecido por Lama Padma Samten durante o retiro “Treinamento para iogues do cotidiano”, de 25 a 29 de maio 2016, no CEBB Caminho do Meio (Viamão, RS)


Nós estamos com dificuldade em investigar como que, dentro de uma cultura, estamos semeando e nutrindo as ações negativas. Isso caracteriza os tempos de degenerescência: os aspectos positivos vão entrando em colapso, não tem mandala, não tem visão, cada pessoa tenta se entrincheirar nas suas próprias individualidades ou pequenos grupos, para tentar resistir a um ambiente hostil e difícil. Se nós não formos atrás desse ambiente hostil e difícil, nossa chance é pequena.
É natural, dentro dos tempos de degenerescência, surgir a dissolução dos Estados. A dissolução do Estado é ele virar um cobrador de impostos mas não dar nada de volta. O que vai acontecer? Por exemplo, um dos sinais dessa dissolução é as pessoas não terem segurança; então surge um exército de pessoas que compõem a segurança privada. Outro aspecto são as estradas, onde elas estão? Tudo começa virar responsabilidade do cidadão; o Estado não tem a capacidade de fazer as coisas, ele vira algo gigantesco, como se fosse propriedade de uma elite que recebe um salário e fala nos seus direitos, mas não tem uma função efetiva que responda à população. Então a população começa a responder. Vocês olhem o numero de pessoas que estão condenadas mas em liberdade, é um número enorme. O sistema judiciário, por não conseguir manter a estrutura punitiva, está valendo pouco. Idealmente, dentro da estrutura do Estado organizada hoje, o sistema judiciário seria o mecanismo de se contrapor às ações não virtuosas. Paulatinamente, esse sistema começa a enfraquecer — isso é natural em tempos de degenerescência.
Um dos símbolos da dissolução do Estado é a imagem medieval do pastor cuidando das ovelhas, debaixo de um aqueduto em ruínas. Houve um tempo em que havia o Império Romano: um Estado grande, articulado, com todos aqueles aquedutos. Daqui a pouco há ovelhas pastando em volta, pequenos reinos, pequenos castelos, todos fortificados. Por que estão fortificados? Por que eles são lindos? Vocês viajam ao longo do rio Reno e vêem um castelo; depois de uma curva ou outra, outro castelo, depois mais outro. Não era fácil construir naquela época! Eles construíram por desespero, estruturaram-se em pequenas cidades porque eram atacados por todo lado; isso é a dissolução do Estado, as pessoas viram predadoras umas das outras. Mais adiante, o Estado retorna como uma associação de Estados, de chefes regionais que vão se juntando. Esse é um processo que estamos vivendo: tem regiões, cidades, em que as pessoas já não entram; elas têm chefes regionais ou locais. O volume de dinheiro em chefias locais, fora do Estado, cresce constantemente, em organizações com vinculações internacionais, operando articuladas. Isso é tempo de degenerescência, não é possível contrabalançar esse processo com o mecanismo de pegar uma pessoa individual e colocá-la na cadeia, isso não vai funcionar. Mas não entendendo isso, seguimos assim.
Há um software operando nisso tudo e ele é o software dos infernos. É um tipo de raciocínio, um lodo que vai encostando aqui e ali e vai tornando tudo lodo. A operação nesse ambiente de dissolução precisa ser feita a partir do aspecto sutil; essa ameaça vem no aspecto sutil, não no aspecto grosseiro. Eu acho comovente ver as pessoas se matando nas ruas; os chefes locais, normalmente muito jovens, matando uns aos outros; os policiais morrendo e matando dentro de um ambiente que não tem mais solução, porque a própria população compra as drogas ou as coisas roubadas que sustentam o funcionamento daquilo tudo; a população pagando o policial, sendo predada pelo ladrão e financiando o processo todo. Não tem solução. No nível sutil, isso significa o enfraquecimento da moralidade: fechamos um olho, não vemos o aspecto das ações não-virtuosas e a consequência causal das ações, somos tomados pelo processo. Em qualquer cidade vocês encontram celulares de segunda mão para vender, andam por ruas e veem peças de automóveis. Volta e meia apreendem os celulares, interditam as lojas, prendem as pessoas todas, os carros que não são desmanchados. É assim, o tempo todo isso. Mas quem é que compra essas peças? Nós mesmos. Quem compra as drogas? Nós mesmos. Quem é que compra os celulares? Nós mesmos. Tem um processo de retroalimentação constante. Quem é que está morrendo? Os que roubam, os que vendem e os policiais que estão ali. Aquilo dá dó, eles estão simplesmente se desgastando e morrendo. Não tem como o Estado resolver isso no nível grosseiro, isso está no nível sutil. O resto é uma máquina que vai moendo carne todo dia, gente morrendo, gente morrendo. Isso são tempos de degenerescência, de dissolução das estruturas. Eu acho que estamos realmente ameaçados, no sentido de que as estruturas mais elevadas do Estado estão contaminadas pelas emoções perturbadoras e pelas ações não-virtuosas.
Se o Brasil de hoje estivesse num âmbito de outros tempos, nós seriamos invadidos pelos vizinhos. Essa é a história da Índia e das nações de todo lugar: sempre que o poder central enfraquece, os países vizinhos invadem. Milagrosamente, nós estamos ainda funcionando, mas estamos realmente fragilizados. Os acordos internacionais já são difíceis para nós, porque negociamos mal isso tudo. As invasões não são mais invasões militares, são invasões de privilégios. Nesse sentido, o Brasil está totalmente invadido, porque estamos imersos em interesses internacionais, que vão fazendo de tudo. Por exemplo, o impacto ambiental aqui vem, em boa medida, do agronegócio. Nós estamos produzindo alimentos que não são para nós, estamos produzindo para animais de outros lugares; aquilo parece que é alimentação nossa, mas não é. Estamos exportando água, solo e florestas através do agronegócio, e esse dinheiro não está entrando para fazer funcionar o país, mas está também alimentando um nível de corrupção, de dificuldade em vários âmbitos.
Então essas são as contradições dos tempos de degenerescência. Mas temos que entender o que isso não é. Cada pessoa que está atuando dentro disso não é uma pessoa do mal, ela é uma pessoa dentro de uma bolha, que tem um software operando. Ela pode perfeitamente trocar de software e trabalhar para isso. Mas isso também não é o trabalho. É como se houvesse um ritmo; vem uma consciência coletiva que vai se dando conta disso, vai gerando outro movimento, aquilo vai invertendo e os tempos de degenerescência vão sendo sucedidos por tempos mais benignos. Essa alternância acontece porque as pessoas não tem realmente a fixação; elas estão dentro de bolhas e, por isso, são capazes de transmigrar para coisas melhores. Por esse lado, vocês vão encontrar muitas pessoas lúcidas se organizando. Agora tem essas metas da ONU, 17 metas da ONU de qualidade, super bonito, não sei por que não tem uma mídia maior nisso. As nações se juntaram para gerar transformações cruciais no âmbito das relações, da igualdade de gênero, da proteção contra a violência, da proteção ambiental, etc. Então articulam metas, articulam algo no nível sutil. Trata-se do nível sutil porque essas metas não são medidas especificas, é uma transformação de consciência. Poderíamos gerar esses sonhos positivos e andar de um jeito melhor, isso seria super importante. É nesse nível sutil que precisamos andar, é a partir desse nível que se estabelecem também os infernos.
Então a ação irada corresponde a isso: não se render às aparências, não considerar que aquilo é assim mesmo, mas trabalhar para que as ações não-virtuosas não tenham êxito. Isso vem desde o ambiente macro até esse ambiente micro, da nossa própria ação, da ação das pessoas que estão ao nosso redor. Vamos cuidado disso: que as ações negativas, que produzem sofrimento para os outros seres, não se estabilizem como ações respeitáveis, para que aquilo não vire um processo de funcionamento aceitável.

Vídeo do ensinamento

Assista ao vídeo do ensinamento (a partir de 1h18m50s):

Veja todos os vídeos do Retiro “Treinamento para Iogues do Cotidiano”

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