Local onde as relações operam de outro modo
Terra pura é um conceito budista que é ao mesmo tempo um pouco emocional, sutil e um pouco também material, concreto. É um local para podermos manifestar de um modo mais natural e mais fácil as qualidades intrínsecas da nossa mente.
Precisamos entender um pouco o contexto mais amplo da cultura dominante onde a noção de terra pura termina se inserindo. Essa cultura globalizada em que vivemos manifesta faixa um e faixa dois.
Em faixa um, as pessoas se manifestam e se movem no mundo a partir de um impulso natural que surge dentro delas. Elas não têm uma visão mais ampla sobre o que elas deveriam fazer da vida delas, qual o sentido da vida delas. Elas simplesmente respondem aos impulsos que surgem aos sentidos físicos. Por exemplo, se ela vê coisas atraentes, ela se move a partir disso, se ela ouve coisas agradáveis, ela se move a partir daí e pronto!
Em faixa dois, as pessoas também se movem a partir dos sentidos físicos, mas elas têm uma sensação de estratégia, de pensamento a longo prazo, de fazer alguma coisa dar certo a partir de um planejamento. Elas têm a sensação de estar avançando, de ter um real progresso em alguma coisa.Mas são apenas bolhas de realidade, como um campeonanto de futebol, como o trabalho.
É só em faixa 3 que a noção de Terra Pura irá surgir, pois em faixa 3 irá surgir a percepção do mundo interno, ou seja, ao olhar para alguma coisa, percebo que a minha mente responde para aquilo de um certo modo e não de outro e que ela pode responder de várias formas. Percebo também que eu posso treinar a maneira como a minha mente vai responder àquilo. É neste contexto que surgem outros referenciais para ação. São estes outros referenciais que vão me permitir construir terra pura, são referenciais mais amplos.
E quais seriam estes referenciais? Vamos nos dar conta de que todos os seres buscam felicidade e se afastar do sofrimento, que o nosso movimento é em busca das causas da felicidade e de se afastar das causas do sofrimento. Assim, nossos referenciais passam a ser internos. Isso se torna uma terra pura. Mesmo as construções técnicas que nós vamos ter, elas servem para construir esta terra pura.
Na cultura globalizada, não há esses referenciais de busca da felicidade e de superação do sofrimento, nós não buscamos isso, não aprendemos sobre isso na escola, nas universidades, na nossa família. Buscamos alguma coisa dos seis reinos, e temos uma relação instrumental com o mundo, como se o mundo fosse um recurso disponível para que eu tenha sucesso nas minhas visões estratégicas. Posso aprender a construir melhor, a refinar o minério, a destilar não sei bem o que, mas tudo isso serve como instrumento para alguma bolha que eu esteja operando.
Em terra pura, o nosso foco é a contemplação e a transformação das nossas estruturas internas, pois eu passo a entender que mudando essas estruturas, eu mudo a realidade. Isso está ligado à coemergência, à inseparatividade do mundo interno e externo. Isso constitui faixa 3.
Em faixa três, nas terras puras, vamos trabalhar na melhoria das relações. Se não tivermos boas relações conosco, é inevitável que o sofrimento surja e que a felicidade não surja. Se não mantivermos boas relações com os outros, com a sociedade civil e com a natureza, isso também é inevitável.
Quando descobrimos esse espaço interno de poder fazer diferente, vamos reconhecer nossa liberdade fundamental. Dessa liberdade fundamental, que é o ponto para todo o budismo, vão surgir as mandalas, as 4 qualidades incomensuráveis, as 6 perfeições, a sabedoria primordial, as qualidades dos 5 diani budas.
A comunidade é fundamental para que o “ensinar pelas costas” ocorra e as pessoas possam praticar e se apropriar dessas qualidades de uma forma não-cognitiva. É como se toda a comunidade fosse aluna desse processo. E a medida que a comunidade avança, todos avançam.
Transcrição de ensinamento de Lama Padma Samten