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Budismo, meditação e cultura de paz | Lama Padma Samten

Por que é difícil atingir o resultado final?

Caminho da Perfeição versus Resultado Final

Por que é difícil atingir o resultado final? Em parte, é porque não há um resultado final, ainda que haja. É assim: não há um resultado final de onde a gente imagina que vem um resultado final. Esse é que é o ponto. Então, não há um resultado final. A gente não vai encontrar, porque a gente vai buscando numa direção. Por exemplo, o resultado final, na abordagem da perfeição, não tem. Tem quando a pessoa vai indo pelo caminho da perfeição e ela muda, aí tem resultado final. Esse é o ponto. Na abordagem do caminho da perfeição nós estamos buscando um estado final que é mais ou menos o que acontece quando a pessoa começa a fazer prática e acha aquilo maravilhoso e por vezes a pessoa começa a ritualizar o cotidiano. Ritualizar o cotidiano significa o quê? A pessoa começa a estruturar o cotidiano além do gostar e não gostar. A pessoa arruma o dia e cada dia fica cada vez mais ajustado, em cada dia ela estuda e medita, estuda e medita e vai indo… A energia aparece, a pessoa foca aquilo e vai buscando os estados mais elevados. Isso é o caminho da perfeição.

Só que enquanto ela segue pelo caminho da perfeição, o estado mais elevado segue fugidio. Ela entra e depois escapa, ela entra e depois escapa. Ela entra e descobre que aquilo não é ainda o estado mais elevado, ainda tem alguma coisa. Aí ela busca o estado mais elevado. Aí quando a pessoa encontra um estado elevado, ela descobre estruturas cármicas que ficaram para trás, ela não sabe como e a pessoa se surpreende com isso.

Por vezes surgem algumas coisas mais perturbadoras, por exemplo, a pessoa está acessando alguma coisa muito elevada, mas daqui a pouco a pessoa tem sonhos, acordada ou dormindo, em regiões que ela não imaginava que entraria de novo, como visões dos infernos ou de diferentes lugares. A pessoa até pensa: mas eu já purifiquei esse carma, eu não tenho nada contra isso, por que me aparece esse tipo de visão? A pessoa vê que são visões. Ela não diz: “EU estou vendo tal coisa…” Como a pessoa está praticando constantemente a estabilização mental, ela não embarca no que aparece, mas a pessoa se pergunta: como é que aparece isso? Da onde? De que buraco escuro e escondido vem esse tipo de estrutura?

No meio desse processo, a pessoa descobre que essas regiões já nem são dela. Ela começa a ultrapassar a noção de individualidade do carma, de individualidade da existência. Ela começa a atravessar esse bordo da sensação de carma individual. Vocês vão encontrar esses relatos não só no budismo tibetano, mas no budismo zen também. Eu acho isso comovente. Eu vi o relato da vida de alguns mestres zen. Como eles praticam muito zazen, seguindo a linha do Soto Zen, eles têm lucidez. Eles diziam: minha mente subia e descia, eu via tudo, aquilo cruzava por todo o lado, aquilo era um estado totalmente perturbado que eu não sabia a origem, ainda assim, eu me mantinha e aquilo tudo seguia girando. Aí eles descreviam como que eles lidavam com aquilo para ultrapassar.

Não há alguém no resultado final

Eu acho muito comovente o fato de que todos nós temos uma conexão com o caminho da perfeição. Nós não estaríamos aqui se não tivéssemos. Então, nós temos esse nível de busca. Por exemplo, é comum, mesmo que a gente esteja avançando, nós nos perguntarmos: em que ponto eu estou? Quanto falta? O que falta? Isso que eu atingi é ou não é alguma coisa? Então, a gente tem essas dúvidas, porque o caminho da perfeição é esse. É o caminho da perfeição de alguém, tem alguém ali. É esse alguém que se pergunta: cheguei ou não cheguei? Esse alguém não vai chegar, pessoal! Nós estamos com um pequeno problema. Essa perspectiva não vai acontecer.

Nós vamos precisar descobrir que aquilo que a gente busca no caminho da perfeição tem o equívoco do aspecto de identidade: a gente é uma identidade se aperfeiçoando e buscando chegar em algum lugar. Quando a gente chegar em algum lugar nós olhamos em volta e nada em volta tem o que a gente atingiu. Essa perspectiva vocês podem esquecer. A perspectiva é assim: aquilo que a gente vai atingir a gente já tem. Não só a gente já tem como tudo em volta tem. Então, nós não temos essa carência. Nós perdemos a visão, a capacidade de reconhecer isso, mas mesmo a incapacidade de reconhecer não nos impede de ter o que nós temos.

A questão é a pessoa incluir por base, por fundação da operação da mente, no contínuo mental que ela manifesta, isso que a pessoa já tem. Então, o que acontece é que, ainda que os seres tenham aquilo e aquilo esteja operando constantemente, ou seja, ainda que a base primordial da mente esteja operando incessantemente, nós não incluímos essa base primordial como um elemento atuante dentro da bolha de realidade em que a gente está atuando, por isso nós atuamos dentro de bolhas. Bolha é isso. É alguma coisa que não inclui o aspecto primordial. Quando nós incluímos o aspecto primordial nós estamos na mandala. Só que mesmo que a gente esteja na bolha, a bolha se dá, de fato, dentro da mandala, então, nós nunca perdemos a mandala. Nunca. Não há a possibilidade de perder a mandala. Isso é chamado “orgulho vajra”. Não há a possibilidade de perder a condição última. Não há. Eu posso surgir como uma identidade fantasmagórica em meio a um mundo onírico, de sonho, aí a gente tem a sensação, como num sonho à noite onde não está faltando nada, que nós somos alguém, que existe um ambiente e que a gente se move ali dentro, porque a base da nossa mente não inclui o aspecto primordial.

Estados particulares e presença

No caminho da perfeição, nós buscamos alguma coisa que seja final, a gente tenta atingir um estado do qual a gente não saia. E a gente sai, porque, na verdade, a base primordial não é aprisionável, eu não consigo abandonar a base primordial para ficar preso num estado, eu não consigo. Eu fico por um tempo e depois eu saio.

Já “presença” é a condição da iluminação, desde sempre inseparável da mandala primordial, de Darmata, de Samantabadra. A pessoa entra nisso e não sai mais, porque ela sempre esteve ali, não tem entrar ou sair. Mas, por exemplo, se a pessoa chama isso de estado de samadi, ela entra e depois sai, assim como em outros estados. Todos os samadis tu entra e sai. Samadi é uma descrição do caminho da perfeição, a pessoa está buscando um samadi, uma condição última. Essa condição última não vai chegar. Nós podemos transitar por muitos diferentes estados particulares. Sempre tem um estado e depois surge um outro. Todo o estado é desequilibrado. Por exemplo, surgem os estados sem forma. Todo mundo que entra em meditação pode ter vivido isso. Depois existem os estados com forma.

Nos estados sem forma, você abandona totalmente qualquer conexão com qualquer coisa que pode aparecer do lado de fora. A energia está estável, a pessoa está isenta. Sempre vai aparecer alguém e dizer: você se isolou, você se separou, você criou uma artificialidade, por que você não volta para a vida? Como aconteceu com o próprio Buda: as filhas de Mara apareceram e falaram: “estamos na primavera, olhe as flores, sinta o perfume, os pássaros, os seres todos namorando, felizes por todo o lado, por que você não olha pra nós, você não sente nada?”

De modo geral, os praticantes são derrubados por esse tipo de presença e retornam ao reino da forma. E as pessoas dizem: “isso é a expressão divina! Olhe, está por todos os lados. A iluminação vem por aí, não pelo isolamento”. A pessoa pensa: “bom, nesse caso…” e ela vai. Depois de vaguear por dois eons pelo reino da forma a pessoa pensa: “bom, acho que por aí não adiantou muito”. Então, ela vai oscilando. Isso é a oscilação dentro do samsara, a pessoa está buscando um estado final e a pessoa pensa que está no caminho. Então, o maior problema não é que falta alguma coisa pra nós, o maior problema é que a gente procura no lugar errado.

Como que a gente já tem a condição última e não vê? Como que, uma vez tendo a sensação que não tem, a gente busca, pensa que encontra e não encontra? Essa é a situação. É nesse processo que está a dificuldade. Mas por que isso? Eu acho muito interessante a gente contemplar esses aspectos. Eu acho muito comovente que a gente encontra coisas elevadas e perde. Enquanto a gente não ultrapassar o caminho da perfeição a gente não vai resolver isso. Mas o caminho da perfeição é o que nos move, é o que nos faz andar. Mas tem um momento que a gente vai ter que entender esse aspecto. Se a gente entende esse aspecto e toma uma outra direção, isso continua sendo o caminho da perfeição. Então, seria mais uma questão de dissolver o caminho da perfeição, não é uma reformulação do caminho da perfeição para uma outra direção. Isso seria a continuação do mesmo processo.

 

Sabedoria Primordial

Os mestres vão dando algumas instruções que nos ajudam, de fato. Eu considero que uma das instruções essenciais é o aspecto da Sabedoria Primordial, que dialoga bem com a descrição do Prajnaparamita. Por exemplo, nós olhamos uma realidade e a gente se coloca como um observador fora daquela bolha, olhando para aquilo. Essa visão já é muito mais ampla do que a visão de quando a gente estava dentro da bolha. É mais ou menos assim: aqui é um templo, mas a gente se coloca do lado de fora e pensa “as pessoas aqui dentro veem isso como templo, isso foi construído assim, todos estão operando segundo essa magia do retiro, mas essa é uma condição particular, até mesmo porque as pessoas daqui a pouco vão embora.” Aí nós sorrimos: a gente está olhando de forma mais ampla do que quando a gente estava dentro da bolha dominados pelo processo.

Então, o Prajnaparamita vai recuando, recuando…Ele vê que a forma do templo é vazia, que ela surge do vazio, do vazio surge a forma do templo. Do vazio ela é estabelecida e começa a operar como tal. Aí olhamos a sensação que eu tenho, a percepção, a formação mental e a consciência que opera magnetizada por esse processo, isso é uma bolha. É assim que funciona. Enquanto a gente diz isso é porque a gente está do lado de fora. Agora estamos do lado de fora do processo de estar do lado de fora, ou seja, eu estou analisando o processo de fazer isso.

Esse é o processo do Prajnaparamita. Então, eu recuo para outra base que também é contaminada, eu penso que não é mas ela é. Depois de um certo tempo, eu consigo me colocar fora dela também. E eu vou indo. O Prajnaparamita é o caminho através do qual eu atravesso o rio da confusão e chego na margem da liberação. A margem da liberação é o lugar não contaminado a partir do qual nós podemos olhar. Então, esse lugar não contaminado produz a Sabedoria Primordial, a visão da Sabedoria Primordial, que é a visão de Guru Rinpoche, do Buda, dos grandes mestres, das deidades. É nesse sentido que Düdjom Lingpa vai dizer que ele recebe a transmissão direta de Guru Rinpoche, porque ele acessa esse lugar não contaminado e a partir disso brota a Sabedoria Primordial.

No entanto, ainda tem algumas coisas, por exemplo, a pessoa está vendo a Sabedoria Primordial, a energia primordial, as cinco sabedorias brotando, mas pode ser que haja na mente da pessoa ainda a sensação de uma pessoa ali. Nesse caso, ainda há um obstáculo. Então, a pessoa mais adiante também recua e percebe o aspecto não-dual da realidade. Ela percebe que enquanto tem uma sabedoria que olha o ambiente sendo olhado  tem uma dualidade, então, a pessoa vai perceber o aspecto não-dual incessantemente presente como manifestação do aspecto último. Essa realização não-dual é o ponto final, mas ali dentro não tem alguém. É a realização do lugar e não de alguém. Quando isso é visto, em qualquer direção que a pessoa olhar ela reconhece essa operação se manifestando desde sempre. Ela vê o aspecto não-dual desde sempre presente. Aquilo não parece muito complicado, não é uma elaboração mental, não tem nada filosófico, nada de condução daqui pra lá, de lá pra cá, nada para estabilizar, mas aquilo está lá.

Como não tem nada para estabilizar, não tem nada para fazer, não tem algo que possa ser perdido, o caminho da perfeição, que é feito com esforço e com controle, se esgota. Ele se esgota não porque a pessoa chegou em algum lugar e se fixa, mas porque aquele que estava caminhando se dissolve na não-dualidade junto com as aparências e isso se torna a expressão de Darmata. Se a gente chamar isso de prática da presença, eu estou convertendo isso em um estado em que eu posso entrar e sair. Mas não é um estado, aquilo está incessantemente operando, não tem como devolver. Então, não é um estado, não é uma prática artificial, não tem nada sendo construído artificialmente. Aquilo está lá. Então, esse é o ponto.

 

A frustrante busca por estados particulares

Mas a gente não procura nessa direção. A gente procura, a gente identifica, a gente observa condições internas e busca estabilizar condições internas. E essa busca é sempre frustrante. Essa é a razão pela qual a gente não atinge a realização final: nós estamos sempre buscando dentro de uma perspectiva que não tem solução.

Vamos supor que você está fazendo uma viagem para chegar em algum lugar. De repente, quando você olha você já está no lugar. Então, eu acho melhor a descrição disso sempre a partir da noção de mandala, por mais misterioso que possa parecer. Essa é a linguagem do vajrayana. A linguagem da mandala é uma boa forma de descrever, porque a descrição como um estado interno não é uma boa ideia. Mas o lugar que é a mandala última não é um lugar que a gente entra, é um lugar onde a gente sempre esteve.

Quando a pessoa compreende isso, na verdade, não é que ela esteja compreendendo, ela está dissolvendo a busca por alguma coisa particular. Mas tudo bem, nós estamos numa etapa em que a gente tem até dificuldade de seguir com a mente enquanto isso está sendo descrito, porque a nossa mente salta de um lado para o outro, temos dificuldade de ficar parados no mesmo lugar porque surgem coisas que a gente tem que fazer aqui e ali, então, nós estamos numa etapa boa para fazer shamata. E shamata é muito bom e a gente avança. A gente preserva a vida humana preciosa e segue.  Então, as coisas voltam a ter sentido comum e a gente segue.

Ensinamento de Lama Padma Samten durante o retiro da Iluminação do Buda de 2017, em Viamão/RS (áudio da manhã do dia 6/12/2017)

Transcrição: Stela Santin

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