Áudio das instruções de Marcelo Nicolodi no 2º dia do Retiro de Verão 2016, no CEBB Caminho do Meio (Viamão, RS)
Antes, a transcrição dos principais trechos:
A importância de shamatha
“A mente comum, a mente não treinada, tem alguns sintomas que o professor Alan Wallace chama de ‘transtorno obsessivo compulsivo delusório’. Ele dá esse nome bonito para o estado geral da mente dos seres nos dias de hoje. Então a situação é grave, né? O treinamento da prática de meditação silenciosa vai nos conduzir à cura desse problema no qual a gente se enfiou ao longo de incontáveis vidas.
A mente é pacificada através da meditação silenciosa, especialmente essa prática de shamatha, que significa permanência serena, paz, estabilização. Essa meditação é o caminho, é como se ela preparasse o terreno adequado para que os ensinamentos sobre a sabedoria possam ser transmitidos. Então os ensinamentos sobre o prajnaparamita, sobre a presença, só vão fazer sentido se eles forem utilizados sobre uma base adequada.
Algumas pessoas já nascem com essa base pronta, mas elas são raras como as estrelas no céu do meio dia. No geral, todos nós temos pensamentos obsessivos e não controlamos bem a própria mente, então a prática de shamatha vem como um antídoto pra isso. Há uma doença, que é essa agitação, essa confusão, e aí tem o antídoto, que é a meditação silenciosa.”
Vantagens de trabalhar com a energia
“O Lama Samten tem orientado as pessoas aqui no CEBB, meio que desde o início, a focarem o aspecto da energia. Ou seja, tomar como objeto de meditação, como caminho de shamata, o próprio fluxo energético sutil. A etapa da energia não é tão óbvia, é um aspecto secreto. Os pensamentos são muito óbvios, o corpo também é muito óbvio. Mas a energia é algo com o qual a gente não tem tanta intimidade. Então, a gente vai procurar gerar este refinamento da percepção do movimento energético sutil. Esse é um bom objeto de meditação.
Tem várias vantagens nisso: não só colhemos os benefícios de shamatha (concentração, foco e a capacidade de repousar com relaxamento, estabilidade e vivacidade), mas também geramos uma percepção mais profunda do próprio corpo que vai nos ajudar nos momentos de doenças, diante das várias circunstâncias em que a nossa energia alterada — teremos uma referência melhor do que é uma energia estável e do que é uma energia desorganizada. É um bom objeto, um objeto super sutil porque não tenho como construir aquilo. Então quanto mais sutil o objeto, melhor, gera menos apego, menos fixação.
Objetos externos podem ser úteis no começo da meditação, mas com o tempo podem se tornar um empecilho que gera uma fixação. Eu dependo de focar em alguma coisa para gerar estabilidade. Então eu vou avançando na prática de shamata, cada vez para objetos mais e mais sutis. Até o ponto em que a gente vai aprofundar em outro momento, a shamata pura, em que eu não tenho propriamente um objeto de suporte. O próprio ato de estar presente e atento é o objeto da meditação. Então shamata tem muitas possibilidades. Como o corpo, a energia e a mente posicionados, vamos fazer algumas sessões. E o que é fazer a prática de shamatha? Definimos qual é o objeto e seguimos o objeto ao longo de toda a sessão.”
Instruções iniciais para praticar shamata com foco na energia
“Vamos tomar a energia como objeto básico de meditação. O Lama Samten tem sugerido foco na energia dos cinco elementos (ou cinco lungs): elemento terra, elemento água, elemento fogo, elemento ar e elemento éter.
Os cinco elementos não são algo que eu vou produzir com a meditação, eles já estão presentes operando o tempo todo, mas em geral eu não tenho muita conexão com eles, não tenho uma intimidade com o fluxo deles. Então, com essa meditação, vou procurar observar melhor o fluxo da energia. Existem muitas linguagens para falar sobre isso. Esse sistema de elementos é apenas uma linguagem. Procurem não se apegar a isso como se isso fosse algo real. É apenas um modelo descritivo de como que a energia dos seres opera. […]
Na prática, vamos sentir, observar isso diretamente em nós mesmos, de modo não discursivo, sem precisar analisar, teorizar, pensar, comentar, elaborar. A gente já tem a energia, aquilo ja está disponível. Só tenho que olhar e aprender a soltar, relaxar, deixar aquilo fluir naturalmente. Através das nossas confusões a gente atrapalha o fluxo da energia. O Lama uma vez disse uma coisa muito interessante: a energia não vai ser adquirida, a energia já está presente, a gente está perdendo energia o tempo todo, dissipando energia em coisas desnecessárias, através de tensões, de confusões que asfixiam a energia. Então, através da meditação eu vou me reconectando a essa estabilidade natural da energia, que é a nossa condição natural, não é uma condição artificial. Isso é importante entender: a energia já está presente.
Terra: Temos a energia do elemento terra, de estabilidade, solidez, firmeza. A imagem é uma montanha, sólida, de pedra, que não se abala. Então todos nós temos o elemento terra, ele nos dá estrutura, nos dá força, sustentação, confiança, propósito. Então a pessoa caminha, tem uma estrutura que a mantém em pé, viva. Quando a pessoa fica doente, o elemento terra enfraquece, a pessoa não tem força para se manter, ela tem que deitar, ela se prostra. Então a energia do elemento terra é esta força. O elemento terra é a estabilidade.
Água: O elemento água é a fluidez, desobstrução, flexibilidade. A gente observa a água na natureza e no nosso próprio corpo tem 70% de água. Então ele já tem muita água no corpo, tanto no nível grosseiro quanto no nível mais sutil. A água é a nossa capacidade de, diante das situações, fluir e flexibilizar. A terra é sólida, pode ser rígida. A terra seca é dura, a terra misturada com água é forte e maleável. Então a gente precisa dos dois. Eu observo esse fluxo natural de relaxamento, de flexibilidade, de desobstrução. Quando eu estou meditando, olho para o meu próprio corpo, vejo onde está tenso, rígido, contraído, aí eu foco aquela região e solto, deixo o elemento água fluir naturalmente, eu tiro as barreiras para o fluxo natural desta flexibilidade. Veja que a gente está falando aqui no nível sutil, que é a qualidade básica do elemento água, essa fluidez. A gente está tentando se conectar a isso, silenciosamente. Não estou pensando sobre o elemento água, não estou teorizando aqui sobre o que é a água, a água isso, a água aquilo. Muitas pessoas vão fazer essa meditação e ficam lá conversando consigo mesmas sobre os elementos, não é isso. Eu vou focar o elemento água com intensidade e silêncio.
Fogo: Depois vem o elemento fogo. O elemento fogo, calor, energia, essa vitalidade que anima, que empurra as pessoas adiante. Tem um calor corporal natural. Percebemos claramente como ele oscila de acordo com as emoções. Quando alguém está com raiva, aquele fogo, a pessoa fica vermelha. Quando a pessoa passa por um medo, um susto muito grande, ela treme de frio como se o elemento fogo apagasse repentinamente. Então tem uma energia de fogo operando, nos guiando. Vou observar esse fogo. Não vou ficar visualizando uma fogueira, de tal cor, em espiral, que me envolve numa chama violeta, alguma coisa assim, não é nada disso. É só observar o calor, essa energia básica de intensidade do elemento fogo, que também já está presente. Um exercício para sentir isso que o lama sugere, por exemplo, eu foco a mão direita, levo a consciência para a mão direita e ela começa a esquentar. Aí eu troco, levo a consciência para a mão esquerda, aí a percepção do fogo se altera. A gente começa a entender que eu posso direcionar essa energia. Se eu tenho alguma região do corpo dolorida ou machucada eu posso levar energia para aquela região ou senti-la de modo homogênea energizando, aquecendo, curando o corpo inteiro.
Ar: Depois do fogo vem o elemento ar, obviamente através da respiração a gente se conecta com o elemento ar. O elemento ar é a mobilidade, a expansão. Quando a gente se desloca no espaço o elemento ar vai nos projetando adiante. É o ar, os ventos, a gente vê o movimento do ar. A gente tem isso internamenta também. Conseguimos ficar bastante tempo sem terra, água ou fogo, mas sem ar ficamos pouquíssimo tempo, morremos. O elemento ar é essencial, energia básica. Vamos observar o fluxo desobstruído e amplo do ar.
Éter: E por último, o quinto elemento, o éter. O éter seria o brilho da mente inseparável do brilho dos olhos, a energia de eletricidade que mantém todo o sistema operando, como se fosse, em uma máquina, quando você aperta o botão “power on”. Então tem uma corrente elétrica que começa a circular e liga o sistema. O éter também, é o que nos mantém vivos, ligados, atentos, despertos, acordados, atentos. Quando eu estou com sono, o éter está baixo. Quando tem algo que não está muito interessante, nosso éter já vai baixando. Quando algo é muito interessante, arregalamos o olho e nem respiramos, super atentos. Um exercício interessante é o da vitrine: a pessoa está lá no shopping circulando, de repente o objeto “tchum”, chama atenção, o elemento éter vai lá em cima. A pessoa corre, vê o preço, a etiqueta, aquilo brilhou. É quando surge o brilho. Com as pessoas é a mesma coisa, a gente está andando na rua, não está olhando para ninguém, de repente uma pessoa conhecida e aquilo brilha, o elemento éter sobe. Então na meditação, se eu não conseguir equilibrar meu elemento éter, se eu tenho éter demais: agitação, movimento descontrolado. Se eu tenho éter de menos: sono, torpor, “pescaria”, a pessoa fica segurando as pálpebras, não está conseguindo elevar a energia. Então, nem para cima nem para baixo demais, equilíbrio. O elemento éter está muito conectado ao sistema nervoso, corrente elétrica sutil que mantém a pessoa alerta. À medida em que eu vou ganhando refinamento sobre isso, vou ganhando também o potencial de direcionar isso. Se a pessoa está muito agitada, ela senta, faz alguns minutinhos de meditação, equilibra a energia e pronto, fica bem, levanta e parte para outro. Então isso é super útil.”
—Marcelo Nicolodi
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Principais temas
Posturas de corpo para meditar; Instruções para praticar shamatha com foco na energia; lung dos cinco elementos.