Budismo, meditação e cultura de paz | Lama Padma Samten

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Desafios contemporâneos para a prática espiritual

Transcrição da palestra “Desafios Contemporâneos: Como compatibilizar prática espiritual com a vida das relações familiares, trabalho e com o ambiente aflitivo do mundo” oferecida por Lama Padma Samten no dia 13 de março de 2021 pelo CEBB Porto Alegre. 

O desafio de nascer e morrer em tempos de pandemia

Considero que os desafios contemporâneos são individuais – como podemos andar nesse tempo, pessoalmente – mas temos a consciência de que são também um super desafio social e um desafio ambiental, da vida como um todo.
Era difícil imaginar que as circunstâncias da pandemia, que estamos vivendo hoje, pudessem chegar nesse grau de impacto. O número de mortes é espantoso, mas, além do número de mortes, há o efeito sobre cada família. As pessoas estão perdendo seus pais, irmãos, mães, avós, e isso não é um número, com certeza. Quando se ouve 270 mil mortos, a pessoa não está olhando para esse número, ela está olhando para sua mãe ou seu pai que morreram. Esse é o impacto humano, uma sensação que vai além do fato de que as pessoas nascem e morrem – algo a que já estávamos acostumados -, mas que estão nascendo em um tempo estranho e morrendo de uma forma muito incomum. Pensamos, de modo geral, que podemos acompanhar as pessoas e nossos familiares, ficar perto deles para que seja um processo natural do final da vida, mas temos uma espécie de atropelamento, um acidente pelo qual as pessoas passam e não têm a possibilidade de se reencontrar, de trocar palavras, trocar olhares e cuidados. Se olharmos as consequências disso, podemos criar quadros de muita aflição. Há uma ano, no início dessa pandemia, não podíamos adivinhar que hoje estaríamos bem pior.

O olhar elevado: Terra Pura

Vou trazer os ensinamentos do Buda na perspectiva grosseira, na perspectiva sutil e, ainda, na perspectiva social e individual. Imaginem que o Buda foi conselheiro de reis. Vem um rei e diz: “como posso fazer para invadir e dominar o território do outro rei?” E o Buda diz: “melhor não, isso não vai ter êxito. Porque eles têm uma solidez, e essa solidez vem do fato de que eles cuidam dos mais velhos, ouvem os mais velhos, protegem os doentes, se ajudam entre si, têm uma prática de virtude, evitam as ações de matar, roubar, ação sexual com violência ou inapropriada, evitam intrigas, falar inutilmente, mentiras e agressões verbais. Têm um nível de maturidade na relação com as experiências de raiva, carência, avareza ou fixação em relação a suas próprias identidades. Eles têm consistência.”. Outro rei pergunta: “o que eu faço diante dessa ameaça?” Vejam, não é uma ameaça comum, aqui nós estamos dentro de uma pandemia. Mas imaginem se tivesse um reino ao lado, um poder militar olhando para nós e imaginando que nos invadir, pilhar e destruir, isso seria realmente muito assustador. Quando estamos lidando com nossa situação de pandemia, podemos imaginar que isso talvez não seja tão horrível quanto uma invasão desse tipo.
Nos tempos do Buda, aconteciam coisas muito complexas e difíceis e o que ele traz como ensinamento é olharmos com virtude, olharmos de forma elevada, ele coloca esse ponto da Terra Pura: como podemos construir situações melhores?

Ações virtuosas

Se a gente, por exemplo, seguir a recomendação sobre as nossas ações com respeito a corpo, fala e mente, ou seja, se melhorarmos socialmente nossas ações, a sociedade como um todo se torna muito mais forte. Esse é um aspecto que o Buda lembra constantemente. A visão política dele é essa. Naturalmente isso se traduz, na prática, por não matarmos os seres, mas protegermos os seres. De cada uma das ações não virtuosas, surge a ação virtuosa correspondente. Para vocês terem uma noção do grau de delicadeza daqueles tempos, se diz que os monges, os bikus caminhavam em todas as direções, o tempo todo, levando os ensinamentos do Buda, dialogando com todas as pessoas e praticantes de outras tradições. Em certo momento surgiu uma crítica: na época das chuvas, os seres todos vêm da terra e se manifestam sobre o solo, mas os praticantes budistas pisoteavam esses seres. Então, o Buda instituiu os retiros das monções, esses períodos de chuva. Nesse período todos ficam em retiro, não caminham sobre o solo, não matam os seres. Na própria cultura indiana, bramânica, védica, há essa sensibilidade pelos seres de todos os tipos.
Quando nós pensamos em proteger os seres e não matar, isso inclui, no aspecto positivo, a proteção à vida em geral, e todos os seres da natureza. O não roubar introduz um outro elemento que é muito interessante, porque socialmente, o não roubar surge quase como uma visão política. O Buda, dentro da perspectiva de não roubar, tinha a visão de só tomar aquilo que fosse dado voluntariamente. É o aspecto positivo do não roubar. Por isso a sanga surge, dentro de uma perspectiva quase extrema, como uma sanga de mendicantes. O modelo do Buda se torna esse, ele efetivamente agradece de forma elevada tudo que recebe e mendiga o mínimo, ele não pensa: agora vou acumular. Essa é uma perspectiva super interessante e se reflete diretamente sobre as questões que nós estamos vivendo, porque no tempo atual nós vamos maximizando as nossas demandas, estamos sempre inventando outras demandas.

Upadana: a mente devoradora dos seres e da natureza

Na perspectiva do Buda, isso é descrito como Upadana: a partir de gostar ou não gostar temos desejo e apego, a partir de desejo e apego nós temos as ações volitivas que nos levam a buscar sempre uma coisa a mais. Esse movimento é chamado Upadana, o nono elo da originação dependente. Quando operamos a partir dos órgãos dos sentidos é o quinto elo, o contato com as aparências a partir dos órgãos dos sentidos é o sexto elo. O gostar ou não gostar é Vedana, é a sensação que a gente tem quando experimenta sensorialmente as coisas. Disso brota desejo e apego, queremos algumas coisas e outras a gente não quer. De desejo e apego surge então, como se fosse uma inteligência, a busca do que nós queremos e a tentativa de escapar do que não queremos. Essa habilidade, essa posição de mente que constantemente busca alguma coisa a mais e se livrar de outras coisas é Upadana. O Buda diz que estamos presos a Upadana, que isso seria um obstáculo.
Quando olhamos socialmente hoje vemos que Upadana é a mente devoradora da natureza, devoradora dos seres. É a mente que vai criar as injustiças sociais, a dominação das pessoas sobre as pessoas, a escravização dos seres e vai criar uma sociedade que vai administrando tudo numa certa direção.

Crises contemporâneas: rigidez das possibilidades

Deveríamos olhar com cuidado o porquê de os jovens resistirem um pouco à escola, se a escola é a fonte do saber, e o saber amplia nossa consciência e é interessante, por que é que os jovens resistem um pouco à escola? Vamos entendendo que a escola terminou se atrelando a um processo artificial através do qual os jovens vão sendo encaixados dentro de uma estrutura e, quando são capazes de adotar as identidades que estão reservadas como possibilidades para eles dentro dessa estrutura, são encaminhados dentro do processo que é vida nessas estruturas. Só que a vida dentro dessas estruturas é sempre limitada e produz rapidamente insatisfação.
É natural que as pessoas estejam sempre com uma divisão na mente: elas fazem alguma coisa porque precisam fazer e parece que aquilo é uma contingência da vida, mas aquilo é uma matriz de possibilidades que foi desenhada, sem que ninguém saiba, por enquanto, quem desenhou isso, mas a cada tempo tem uma matriz de possibilidades e nós terminamos nos ajustando a ela. Como essa matriz é artificial, temos um estranhamento, então, é natural em cada pessoa a existência de uma região imaginária onde se aspira a encontrar algo que esteja mais ligado ao seu próprio coração, que seja mais favorável. A estrutura social brota como essa matriz de possibilidades, um gradeamento do funcionamento humano surgindo como estradas, ruas, prédios, que vão espelhar, no nível grosseiro, os lugares onde esse gradeamento matricial de possibilidades surge.
No aspecto sutil, temos os espaços de possibilidades mentais e das nossas ações. Isso surge como um processo de dominação individual e social, que está muito bem explicado por Wittgenstein. Essa é uma contingência de todos os seres, mas dentro da grande matriz da mente nós temos espaços específicos. Parte das crises contemporâneas brota da rigidez dessas matrizes de possibilidades e da insatisfatoriedade associada a essa experiência. Os jovens vão sendo encaminhados, calmamente, naquela direção.
Uma ou outra vez, o Buda usa a visão de que as pessoas nessa condição são como um rebanho que vai sendo conduzido por prados floridos, aguadas e sombras, em direção ao abatedouro. Já estão dentro do corredor que vai conduzir ao abatedouro, mas não veem. Dentro dessas circunstâncias, em certo momento nos damos conta de que se trata de um abatedouro, quando nós vemos que essa matriz vai conduzindo à destruição ambiental e à supressão da possibilidade da vida, na forma como agora surgimos e nos estabelecemos. Essa matriz parece positiva, mas é uma matriz de adoecimento, também.
A forma pela qual nós nos estabelecemos dentro disso se assemelha às várias monoculturas, que também são matrizes que se estabelecem sobre a natureza. Operamos de uma forma insensível à vida e às condições locais, ou com uma sensibilidade reduzida, com o foco dirigido – uma vez que ele é mantido, nós perdemos a sensibilidade para outras inteligências -, e esse processo de possibilidades restritas vai retirando a base de sustentabilidade do próprio processo. Quando a monocultura surge, a natureza vai sendo destruída. A própria planta ali dentro tem uma fragilidade, porque no momento que surgirem contaminações elas se propagam muito facilmente, porque o ambiente é favorável. As plantas estão sempre submetidas a algum tipo de pandemia, porque quando algo acontece, se espalha. Mas quando aquilo vai acontecendo aqui e ali, vemos que os organismos que predam as plantas vão se adaptando, desenvolvendo outras possibilidades e ampliando sua capacidade de atacar. Elas vão dialogando com o ambiente e encontrando outras formas, e avançando. Isso faz com que outros venenos sejam introduzidos, chegando a um ponto em que não conseguimos mais produzir alimentos que não tenham uma contaminação intrínseca. Isso termina gerando uma pacificação do veneno: se tem veneno circulando no leite materno, achamos que é assim mesmo; se tem veneno no corpo, também achamos que é assim mesmo. Como vou fazer de outro modo, se eu quiser viver na cidade? É isso. Vamos nos acostumando às circunstâncias aflitivas e antinaturais.

Adoecimentos coletivos, tratamentos individuais

Disso brotam vários tipos de doenças: as doenças emocionais, as doenças mentais de várias ordens que vão sendo tratadas sempre individualmente. É como se a pessoa adoecesse individualmente. Não trabalhamos em termos de estatísticas, vendo que tais comportamentos produzem tal impacto estatístico visível. A gente recebe no consultório cada pessoa que está com alguma coisa, dá um remédio para ela; depois vem outra, a gente dá outro remédio. Não vemos a noção de pandemia de várias coisas. Não vemos as epidemias de doença mental, suicídio, câncer. Ainda que a gente diga que tem muitos casos de câncer, só um número muito restrito de pessoas olha isso de modo estatístico, de forma a associar às condições antinaturais.
Nesse momento, enquanto esse rebanho vai andando por prados que parecem floridos, aguadas e sombras, já é possível ver as cercas do abatedouro. Na própria experiência da pandemia, vemos que primeiro abandonamos um ambiente saudável e nos aglomeramos em vários lugares. Aglomerados nesses lugares, nós nos tornamos sensíveis a doenças que encontram um terreno fértil para se multiplicar e se ajustar ao próprio ambiente, é quando vemos as variantes surgindo. Essa é uma circunstância natural do aglomeramento e está muito claro que quando as pessoas se isolam, elas se protegem, mas as pessoas que são obrigadas, pela sua própria vida, a se manter aglomeradas dentro do metrô, dentro dos ônibus, nos vários lugares, é que vão parar nos postos de saúde e nos hospitais.
Na medida em que montamos uma sociedade de um certo modo, nós maximizamos as circunstâncias que vão produzindo a impermanência e as dificuldades associadas. É totalmente natural que aconteça. Agora a gente entende, também, como no passado algumas cidades foram abandonadas. É muito mais favorável e mais resiliente termos o máximo de felicidade e lucidez, cuidado com saúde e educação, com o mínimo de demanda. Se nós dependemos de muitas coisas, temos problemas.
Dentro desse processo de expansão perdulária e maximização do processo econômico nós vamos encontrando limites, vamos adensando as cidades e nos tornando mais afastados da natureza, virando uma monocultura de seres humanos empilhados, que naturalmente vão ter problemas variados. Como estamos vivendo em tempos escuros, caracterizados pelo fato de que as boas recomendações parecem inviáveis, é importante que a gente olhe de modo estratégico, porque quando o sofrimento se amplia é preciso ter clareza sobre em que direção devemos andar. Uma direção clara é nos tornarmos mais resilientes, termos a capacidade de depender menos e demandar menos e ampliar as experiências verdadeiras, aquilo que realmente dá sentido às nossas vidas. Isso é uma visão tradicional no nível grosseiro sobre como podemos nos mover.

As Quatro Nobres Verdades e o Nobre Caminho de Oito Passos

No nível sutil, o Buda vai introduzir a visão de que nós deveríamos desenvolver um sentido verdadeiro para a nossa vida. Esse sentido verdadeiro vem da compreensão das Quatro Nobres Verdades e do Nobre Caminho de Oito Passos, que é a Quarta Nobre Verdade.
A gente deveria entender o sofrimento individual, o sofrimento causal – quando nós apontamos causas – e o sofrimento estrutural, o fato de que todos nós estamos presos a processos estruturais que nos impedem de gerar uma vida verdadeiramente feliz, que não seja submetida às circunstâncias aflitivas e sofrimentos periódicos. Percebemos que não são só os seres humanos que estão dentro disso. Todos os seres, num nível grosseiro ou sutil, manifestam essas fragilidades, porque estão presos ao funcionamento dos doze elos da originação dependente. No aspecto sutil, a primeira nobre verdade pode se tornar impactante quando nós entendemos que os seres podem, internamente, guardar referenciais inauspiciosos.

Os seis reinos e a felicidade condicionada

Por exemplo, os seres podem se ver nos infernos, e podem dizer: isso aqui que nós estamos vendo é o reino dos infernos, portanto eu vou exercer ações de violência e agressão. Eles podem dizer: aqui é um mundo onde eu estou despreparado, eu estou totalmente carente, eu dependo de circunstâncias, eu tenho muitas demandas, estou sempre aflito. Este é o mundo dos pretas, os seres que têm aflição por carência. A mente dos seres pode surgir como a mente dos animais, eles entendem o seu mundo, constroem um mundo que mais ou menos funciona e eles operam ali dentro, têm referenciais espaciais, têm domínio sobre regiões e se protegem, competem com outros animais pelas regiões. Os animais têm uma visão estreita e limitada sobre o que é a sua vida e o seu funcionamento.
Vamos encontrar os seres humanos olhando em volta e definindo o que são propriedades, áreas de domínio, o que pode acontecer ou não. Olham deste modo, acumulam, vão ampliando sempre suas áreas de domínio. Exercem domínio sobre outras pessoas e sobre os animais, mas também não vão a lugar nenhum, são submetidos à impermanência, morrem, e tudo o que imaginavam que era deles desaparece. Também não têm domínio sobre onde sua própria mente e imaginação vão, e assim se deslocam por dentro dos vários reinos. Vamos encontrar os seres que têm poder e capacidade de articulação, mentes articuladas que nós poderíamos, nesse tempo em que estamos vivendo, colocar como a mente das grandes organizações e CEOs de grandes empreendimentos, ou mesmo chefes de estado, porque eles decidem sobre a vida das pessoas. Mandam matar adversários, deslocam drones que matam pessoas aqui ou ali. Dentro dos países vão surgindo milícias, grupos em torno de pessoas poderosas que fazem o que bem entendem, burlam as leis dos próprios países, são totalmente inalcançáveis pelas leis do país e pelas leis e acordos internacionais.
Encontramos nessas figuras os asuras, que correspondem aos seres chamados de semideuses, seres de poder – têm poder sobre todos os seres. Com certeza estamos submetidos a essas circunstâncias, querendo ou não. Os asuras se manifestam nesse tempo e determinam os rios que vão sobreviver, decidem a sorte do mar, dos seres todos das várias regiões, também dos seres humanos. Nós vamos encontrar o choque dos asuras, eles se batem o tempo todo e não conseguem encontrar um equilíbrio, e esses choques respingam sobre os seres humanos e os outros reinos.
Acima disso vamos encontrar o reino dos deuses, seres que operam dentro da perspectiva de felicidade condicionada, ligada a desejo e apego. Eles têm a felicidade ligada a condições, têm domínio sobre as condições e são o ideal que os asuras – seres de poder – olham, aspirando um dia ter essa tranquilidade e repousar em algum lugar, e não conseguem, porque têm que estar sempre lutando, em aflição. Mas os próprios deuses pairam sobre as circunstâncias todas por um tempo e depois sucumbem. A vida deles também é impermanente.
Então, são seis estados mentais. Temos problemas não só no nível grosseiro, mas temos também esse nível sutil, onde nos vemos existindo dentro de certo tipo de vida. Essas vidas são quase incompreensíveis umas às outras. A gente não entende bem a vida no reino dos infernos, dos deuses ou semideuses, pois é muito diferente da forma como os seres humanos operam. Do mesmo modo, não entendemos bem o reino dos animais ou a vida dos seres carentes.
Todos os reinos têm um tipo de malandragem, um tipo de operação de encontrar o que querem e escapar do que não querem, todos têm um nível de apego. Essas são circunstâncias adicionais das crises do nosso tempo contemporâneo, dentro de uma contemporaneidade além do tempo, porque é o que acontece desde sempre, quando a ignorância e os doze elos se estabelecem. Essa é a circunstância pela qual os seres passam, geração após geração, enquanto a vida se mantém.

Como as nossas mentes funcionam: os doze elos da originação dependente

A compreensão dos doze elos é crucial para que possamos compreender esse nível de sofrimento. A gente vê que os seres todos estão submetidos a isso, são mentes que operam segundo características específicas. O Buda explicou esse ponto, e isso se manteve como uma visão, geração após geração, até os dias de hoje. No entanto, a gente não escuta isso na escola, e não vê isso como uma verdade maior. É como se a gente entrasse num curso de agronomia e aprendesse a colocar sementes no solo, colocar o adubo químico, comprar os venenos e saber como colocar. A gente não entende a visão ampla da natureza. Entramos na escola e aprendemos como vamos adotar uma identidade em meio ao mundo, que parece que é um mundo sério, sustentável e verdadeiro, mas o mundo tem esses obstáculos todos.
As crises contemporâneas incluem isso que é chamado de avidya, perda de visão, estreitamento da visão. Quando olhamos as coisas de uma forma específica, focada, nós perdemos a visão ampla do que estamos fazendo e para onde estamos indo. A compreensão do sofrimento no nível grosseiro e no nível sutil remete à compreensão do funcionamento da mente, que é um ensinamento super importante do Buda: como nossas mentes funcionam. Geração após geração, precisamos estudar de novo os doze elos da originação dependente.

A liberação do sofrimento, o surgimento do talo do lótus e a ação no mundo

Quando a gente entende as causas do sofrimento, como tudo se organiza e surge desse modo, na sequência brota uma luz e a gente diz: entendi! O sofrimento é uma construção artificial, toda essa circunstância descrita pelos doze elos, pela originação dependente e pela primeira nobre verdade não domina, de fato, a estrutura da nossa mente. A base da nossa mente pode se envolver nisso como quem se envolve em um jogo, mas ela não fica prisioneira do jogo. Qualquer pessoa que jogar qualquer jogo entra e sai, ela não está presa dentro daquilo. A vida termina surgindo como um jogo, onde nós somos personagens dentro de panoramas específicos. Aí nós precisaríamos pensar: o que eu sou dentro disso? E descobrimos que essa natureza é a construtora desses aspectos dos doze elos, a gente não entende bem o que seja isso, mas a gente aspira a entender e compreender que, enfim, eu construo a mim mesmo e o lugar onde eu vivo. Se eu não construir de forma inauspiciosa, o sofrimento cessa. Então, eu posso construir coisas auspiciosas, posso estar livre dos aspectos dos doze elos. Essa é a terceira nobre verdade, ou seja, a liberação é possível.
Na quarta nobre verdade o ponto central é simbolizado pelo fato de que as circunstâncias inadequadas são vistas como lodo, mas olhando para as circunstâncias inadequadas a gente pode ter compaixão pelos seres. A gente olha para os seres e aspira que eles se livrem do sofrimento. Quando nós encontramos os seres fazendo coisas inadequadas conosco, também, a gente poderia ter uma atitude adversarial, mas nos damos conta de que eles estão agindo assim porque estão dominados pela própria ignorância, mas a mente deles não fica verdadeiramente presa à ignorância. A mente deles pode tomar uma outra direção, tem uma liberdade além das próprias identidades e suas visões de mundo. Se eles se acalmarem um pouco, e reduzirem um pouco a responsividade da mente, terminam vendo tudo de forma mais ampla. Isso é simbolizado por Amitaba sentado, em silêncio. Simplesmente ao sentar em silêncio, a loucura responsiva se reduz, e podemos nos ver surgindo de outro modo, por exemplo, surgindo como o talo do lótus, que é a representação da compaixão, do amor, da alegria e da equanimidade voltadas a beneficiar todos os seres.
Se as coisas estão muito difíceis para os seres, nós podemos surgir como o talo desse lótus e aprender a desenvolver habilidades para beneficiar os seres. Esse é o ponto mais importante, esse é o ensinamento do Buda que é o início do Nobre Caminho de Oito Passos. Nós temos esse nascimento, e com esse nascimento já temos os méritos para viver, mesmo em regiões de crise e mesmo em dificuldades.
Eu queria incentivar que as pessoas contemplem as Quatro Nobres Verdades e o Nobre Caminho de Oito Passos. Que as pessoas evitem as ações negativas, produzam as ações positivas, e, a partir disso, que elas encontrem os méritos que permitam que elas vivam em meio ao mundo, trazendo um exemplo favorável de como outras pessoas também podem encontrar formas de viver em meio ao mundo, trazendo benefício aos seres.
Transcrição de Clarissa Gleich
Edição e e revisão: Andrea Nocchi e Stela Santin

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