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Budismo, meditação e cultura de paz | Lama Padma Samten

A perfeição do engano

Trecho do ensinamento oferecido por Lama Padma Samten no dia 15 de novembro de 2016, no retiro “Meditação como caminho de liberação”, no CEBB Mendjilá. 

A perfeição do engano

Quando fazemos uma análise sobre a vacuidade ou sobre a coemergência e o surgimento luminoso das aparências, usamos sempre uma abordagem um pouco introdutória.  Eu a considero um pouco introdutória, no sentido de que, por exemplo, nos colocamos olhando alguma outra coisa, ou seja, é sempre nós olhando alguma outra coisa e parece que estamos dizendo que temos um defeito.
Então,  é superimportante encontrar a perfeição do engano. A superação do engano não vem pela rejeição do engano, mas pelo reconhecimento da perfeição da circunstância do engano e que, enfim, a palavra engano não faz mais sentido; nem a palavra ilusão. Ela é retirada.
Durante um tempo vamos usar a palavra engano, vamos usar a palavra samsara e vamos usar esse sentido de que tem alguma coisa equivocada. Mas tem um momento que vamos precisar ultrapassar essa perspectiva. Esse é um ponto interessante, em que nós percebemos a construção de realidades, mas não estamos mais olhando a construção de realidades como se fosse um problema.
Assim, quando, por exemplo, nós estamos na perspectiva de que estamos dentro de uma realidade e repentinamente descobrimos que aquilo é limitado,  criticamos a realidade limitada que nos produz uma espécie de um véu. Tem essa noção de véu de Maya: eu tenho um véu que eu não consigo atravessar, tem alguma coisa que me impede de ver mais adiante.
Porém, quando vamos para esse ponto livre e começamos a olhar as bolhas e olhamos a multiplicidade das coisas, por um tempo ainda desenvolvemos uma visão crítica, ou seja, as bolhas são problemas; a multiplicidade das realidades são um  problema. Então, daqui a pouco, começamos a ver: como é que aquilo é construído? Aquilo é construído luminosamente! Como é que fazemos? Criamos uma visão particular e tudo começa a ganhar sentido a partir daquela visão particular. Ainda continuamos criticando um pouco, mas daqui a pouco nós estamos vendo aquilo como uma realidade luminosa que é construída.
Num nível médio, a realidade começa a se tornar lúdica, é como um mágico construindo realidades, é como o teatro construindo uma peça, é como nós construindo uma realidade. Não é incrível que essa realidade construída domina a nossa mente e começamos a ver tudo a partir daquilo?  Nós trocamos de uma bolha para outra bolha e tudo aquilo se redefine. Os objetos ganham outro sentido. Nesse ponto, nós partimos para uma posição que não é uma posição de oposição, mas é uma posição onde percebemos o aspecto lúdico daquilo.
Quando aprofundamos a compreensão do aspecto luminoso da nossa mente produzindo aquele significado, sustentando o significado, sustentando aquela realidade daquele modo, nós começamos a perdoar. Abandonamos a noção de que aquilo é um engano. Na verdade, abandonamos a posição de aquilo ser um engano, porque nós já não estamos mais enganados. Nós estamos em um lugar  livre olhando a multiplicidade  de realidades que surgem e podem se transformar. Então, esse é um ponto super interessante.

Zero crítica

Nós vamos andando nessa direção paulatinamente. Quanto mais livres nós estamos das realidades como elas são construídas, menos elas nos afetam e, portanto, menos nós criticamos essas realidades. E esse é o ponto no qual em um certo momento nós vamos entender que as realidades – as terras puras ou o samsara, as coisas com a motivação lúcida ou sem motivação lúcida – têm a mesma substância: a luminosidade da mente construindo as aparências. É assim. Nesse ponto, não conseguimos mais criticar.
Essa posição de não conseguir mais criticar é muito favorável, porque ela se aproxima da liberação. O problema, o contrário da liberação, é quando nós estamos dentro de uma bolha enrijecida. Quando nós estamos olhando a multiplicidade de visões e vemos como cada visão sustenta a si mesma e define uma naturalidade de ação, que é surgida e que se justifica ali dentro, mas não estamos presos naquilo – quando olhamos isso – aquilo não parece mais tóxico ou problemático. O que parece problemático não é a situação – o que parece problemático é nós ficarmos limitados àquilo.
Mas, como já estamos olhando de um ponto que está além, aquilo não nos afeta propriamente. Então, sorrimos. Entendemos mais facilmente que a liberação é possível, que as pessoas podem operar de uma forma mais ampla, que não existe realmente um obstáculo. Nós não estamos verdadeiramente presos, nós podemos ultrapassar aquilo.
Nesse momento começa a ceder essa posição que eu diria ser uma posição dual também, em que tem bem e mal. Nós começamos a olhar as coisas dentro de uma natural beleza do surgimento da multiplicidade de realidades.
Esse ponto não nos deixa, por exemplo, amortecidos numa condição limitada, não é isso. Não é que eu vou agora me entregar para o samsara, não é isso. Na verdade, nesse ponto, nós já não estamos sob o efeito do samsara no sentido de nós estarmos entrincheirados dentro de uma bolha e acharmos que aquilo é tudo. Nós recuamos para um ponto livre, a partir do qual nós vemos como os fundamentos do surgimento da multiplicidade de cada uma das realidades se oferecem e como então as realidades brotam de um modo natural e como aquilo é sustentado. Nós começamos a olhar  o que é que está fora daquele samsara que permite o surgimento do samsara como o aspecto luminoso da realidade, o espaço.

Liberação da Roda da Vida e Iluminação

Então,  nós vamos ver também como os bodisatvas  surgem a partir de compaixão, amor, alegria, equanimidade. Vai surgindo essa linguagem do Buda primordial como essa inteligência que brota de um lugar livre. Vamos ver como que ele gera também a multiplicidade de mundos. Como que ele gera, através da luminosidade,  a multiplicidade de mundos através de referenciais particulares.  Vamos ver como surge cada um dos mundos e como que o Buda Primordial dissolve aquilo também, como ele tem a sabedoria de dissolver.
Começamos a olhar de um outro modo esse conjunto de realidades. Mas nós não estamos presos em nenhum deles e, menos ainda,  limitados aos 12 elos de gostar ou não gostar a partir de realidades estreitas. Nós não estamos mais operando assim. Isso é a liberação da roda da vida. A liberação da roda da vida vem antes da iluminação. A liberação da roda da vida significa que nós não estamos mais operando com os 12 elos, nós entendemos aquilo. Nós não estamos mais nos movendo porque gostamos ou não gostamos.
Já o aspecto último inclui a compreensão de todas as aparências a partir do aspecto luminoso. É como a prece que pede o ponto último; que diz “que eu nunca me afaste da visão de todas as aparências como Darmakaya, como Darmata”. Esse é o olho do Buda. Ele vê tudo desse modo. Tecnicamente, operativamente, nós vemos a multiplicidade de manifestações como expressões da luminosidade da mente.
Então, a substância da realidade com a qual nós lidamos não são as paredes, nós lidamos com o templo –  a substância do templo é a luminosidade da mente. A substância de cada coisa é a luminosidade da mente. É por isso que nós dizemos que cada coisa não é a substância dela. Cada coisa surge através da originação dependente, que é o aspecto luminoso referenciado a alguns elementos.
Esses elementos são a origem dependente: na dependência de alguma coisa que também não é, mas eu tomo como se fosse, eu faço surgir outra camada de realidade. As camadas de realidade vão se superpondo umas às outras. Nós também podemos entender o próprio surgimento do corpo como camadas de realidade se depositando umas sobre as outras, com inteligências variadas em cada camada.

Manifestações não duais e intersubjetividade

Então, nós nos relacionamos com a imagem mental.  Só que essa imagem mental que nós criamos é uma manifestação não dual com a própria mente. Então somente  nos relacionamos com as manifestações não duais da própria mente. Isso é maravilhoso! Qual é a base da manifestação não dual? É a luminosidade! Ela não tem nada ali.
Se vocês guardarem, pelo menos, essa expressão “manifestação não dual da mente” para a realidade é uma boa chave. É uma linguagem hábil, uma linguagem super favorável. Nós nos relacionamos desse modo. É assim que a coisa funciona.
Eu estou lidando com manifestações não duais na minha própria mente. Nós estamos brincando, entendem? Mas quando nos referimos a manifestações não duais da nossa própria mente tem uma barreira, porque eu estou falando das manifestações não duais da minha mente. Então, surge o fenômeno coletivo. Surge uma manifestação não dual que é uma subjetividade compartilhada. É uma subjetividade – mas ela é uma intersubjetividade, pois ela é compartilhada. Então, nós temos mentes semelhantes, olhamos de forma semelhante e geramos uma linguagem entre nós que parece uma linguagem objetiva. Isso não é uma experiência de uma pessoa, é uma experiência de muitas diferentes mentes, que se acoplam e geram a percepção semelhante e desenvolvem uma linguagem entre elas. Isso é super interessante! É um mundo mágico, é luminoso. A realidade comum já é luminosa.
Quando nós olhamos isso pode surgir um calafrio: “bom, agora eu virei samsara”. Mas não virou samsara, porque quando tu olhas desse modo já estás livre daquilo. A liberdade daquilo não é uma rejeição, não é um afastamento, não é uma negação, não é uma luta contra –  é uma elucidação do que é que aquilo é. Quando aquilo está elucidado, esse é um passo adiante da liberação da roda da vida. A liberação da roda da vida é quando a gente abandona o software dos 12 Elos. Mas, aqui, nós começamos a olhar em todas as direções e ver. Esse é o olhar  que o Buda usa para examinar a realidade. Nós estamos indo nessa direção, nessa direção não conseguimos mais criticar.
É certo que quando não conseguimos mais criticar, ainda assim, olhamos os seres e vemos que tem seres ilusórios operando dentro de mundos ilusórios com sofrimentos ilusórios. Surge, então, esse fenômeno improvável, difícil, que é o fato que um bodisatva aparecer e dizer : “esse é um assunto para mim”.
É esta a situação que nós estamos vivendo. Somos nós. Nós estamos nos propondo à endireitar o mundo que já está arrumado. É assim: tem uma natural perfeição. Mas quando estamos dentro daquela bolha nós não estamos achando aquilo nada interessante. Nós estamos cheios de apegos e fixações.
Transcrição: Gracinha Melo
Edição: Stela Santin

Veja o ensinamento completo

O trecho acima é uma transcrição editada dos primeiros 30 minutos de ensinamento.

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