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Budismo, meditação e cultura de paz | Lama Padma Samten

Chaves para a meditação

Ensinamento oferecido por Lama Padma Samten no retiro de inverno de 2014, no CEBB Caminho do Meio, na tarde do dia 24/07.

Motivação

Nesse ponto, estamos fazendo uma abordagem do bloco 2. Consideramos que a motivação se completou. Dentro do bloco 1, a gente amadureceu as relações com o samsara até o ponto de sentir que o aspecto principal realmente é a abordagem do darma que a gente precisa estabilizar, romper a ligação com os processos de mortes e renascimentos, que essencialmente a gente pode entender como as experiências de bolhas, sucedidas por outras experiências de bolhas e assim por diante. Dentro de cada bolha a gente surge com uma visão de mundo, ou seja, com uma identidade operando. A partir daí nós temos esses ciclos infindáveis. Se olharmos para trás no tempo, isso é só o que a gente fez. Isso é tudo que a nossa memória pode alcançar. A gente só fez isso. Isso é a essência do samsara: esses ciclos de entradas em bolhas de realidade que sucedem outras. Na terminologia budista, isso corresponde aos ciclos de mortes e renascimentos, como o Buda descreve. Quando nós temos um olhar para os aspectos grosseiros e estamos presos a eles, os ciclos de mortes e renascimentos parecem ser as nossas mortes físicas e renascimentos físicos. Se nós entendemos o aspecto sutil, nós entendemos que as mortes e renascimentos são as bolhas que vêm se sucedendo. E nós percebemos que nós estamos completamente fixados a isso.
Então, quando nós entramos no bloco 2, a gente já tem essa compreensão, que exige uma certa visão de faixa 3. Se não tivermos essa visão, não conseguimos entender assim. Se estamos em faixa 2, podemos pensar que o treinamento é manter alguma disciplina progressiva, através da qual eu vou desenvolvendo aptidões e com o tempo eu vou chegar em algum lugar. É muito comum essa abordagem. A gente acha que precisa de um condicionamento positivo. A gente fica treinando, repetindo coisas, para obter um condicionamento positivo. Mas, em faixa 3, nós já estamos um pouco distanciados olhando o mundo interno e como as aparências surgem. A gente já está vendo como que as aparências dependem das perspectivas internas. Recuamos um pouco e começamos a entender isso. Nesse ponto, conseguimos entender melhor faixa 1 e faixa 2 e começamos a entender melhor como o darma funciona e como a ilusão das bolhas se dá. Nós podemos entrar nesse processo tanto praticando vipassana como shamata. Nós vamos entrar pelos dois, cultivando um e outro.

Amadurecimento da motivação e início do treinamento

Nesse ponto, eu queria dar uma chave para vocês com respeito ao próprio progresso da meditação e a como a gente pode escapar dos obstáculos que surgirem na meditação. É um referencial útil durante todo o processo do bloco 2, ou seja, durante todo o processo de treinamento. Peço para vocês anotarem, porque não é muito comum, de modo geral, não falo disso.
Por exemplo, nós vamos iniciar o bloco 2 fazendo shamata. Então, a gente desenvolveu motivação, que é a culminância do bloco 1. A gente tem agora a motivação clara de seguir o caminho. Dentro desse termo motivação, a gente pode ter cultivado muitas diferentes qualidades e ter feito várias práticas, por exemplo, a gente pode ter feito a prática de ngondro, contemplado os Quatro Pensamentos que Transformam a Mente, as Quatro Nobres Verdades, o Nobre Caminho de Oito Passos, tudo isso está dentro desse aspecto de motivação. A gente estudou também os 5 potenciais como descritos por Milarepa e Gampopa. A gente pode ter entendido, enfim, num certo momento, que essa compreensão toda culmina na noção de bodicita, na noção do potencial mahayana, em que nos movemos para benefício dos seres. Então, tem uma série de ensinamentos e classes de ensinamentos que nos ajudam a atingir esse ponto.
Eu até arriscaria dizer que a maior parte dos mestres que nos visitam dão ensinamentos nessa área. Dão ensinamentos até o ponto da geração de motivação. A maior parte das palestras abertas dizem respeito a isso.
Aí tem um momento que nós estamos convencidos. Esse momento é interessante, porque dentro do bloco 1 a gente gosta de ouvir muitas diferentes coisas. Um dos sintomas que nós estamos entrando em bloco 2 é que a gente não está mais disposto a ficar ouvindo, começa a surgir um certo incômodo. Enquanto nós estamos ouvindo, ficamos com a sensação de que deveríamos estar praticando. Por quê? Porque estamos ouvindo de novo uma coisa da qual nós já estamos convencidos. A gente começa a ter uma sensação de “isso é realmente assim, eu tenho que praticar, eu tenho que andar e esse é o meu movimento”. A gente ouve várias descrições sobre o darma e a gente pensa que aquilo é realmente assim, já entendeu que aquilo é assim e agora não adianta a gente ouvir de novo e de novo, porque o que é preciso mesmo é fazer prática. Esse é um ponto interessante. Por exemplo, quando a gente ouve diferentes mestres falando a gente sempre gera uma confiança e uma vontade de seguir. Mas quando estamos entrando em bloco 2 esse efeito começa a se reduzir. A gente ouve aquilo mas tem a sensação de que já está convencido daquilo. A energia brota mais como uma lembrança do que como alguma coisa que a gente esteja recebendo ali, porque aquilo já está dentro de nós. Nós já sabemos aquilo. Então, esse é o momento em que é natural as pessoas preferirem estar em retiro a ouvir o Lama.
Ou então vocês abrem um livro e pensam: isso aqui eu não vou olhar de novo, isso eu já sei, agora preciso praticar. Aí vocês param em silêncio e meditam. Dá uma felicidade que vem da própria prática. Nesse ponto, vocês estão entrando em bloco 2. Então, o bloco 2 não é uma coisa que eu compreendo, é uma coisa que eu mudo. É alguma coisa que acontece dentro. Não é uma coisa assim: “agora eu sou super inteligente, eu entendi o bloco 2 e estou no bloco 2”. A gente precisa estar no bloco 2 mesmo e existem sintomas de bloco 2.
Essa perspectiva dos blocos é super importante, pois em cada condição ou posição, há um treinamento, que é o melhor para aquele momento. Isso é Chenrezig. A gente não deveria usar um procedimento repressivo.

Como progredir na meditação e superar os obstáculos

Quando a gente começa enfim a fazer a prática de meditação, vem esse ponto que eu gostaria que fosse anotado.
Quando a gente senta em meditação, sentamos tranquilos, “apenas sentar”, como diria o Mestre Dogen. Como nós estamos com uma fixação na dualidade objeto-observador, é como se a nossa mente não conseguisse operar de outro jeito. Ela tem essa tendência. Ela está em faixa 1, operando dentro da perspectiva objeto-observador. Ela está operando assim.
Ainda que ela opere dentro da perspectiva objeto-observador, quando nós sentamos em silêncio, a posição do observador começa a se deslocar e eu vou explicar por quê. Os objetos que aparecem na meditação não têm importância nenhuma. No entanto, porque nós estamos fixados na perspectiva de objeto e observador, a gente fica querendo que os objetos que apareçam, ou seja, que o estado da nossa mente, aquilo que a gente vê, tenha uma característica ou outra, ou seja, a gente fica procurando no objeto o sinal de algum nível de realização. Mas não é no objeto, esse é o ponto. Isso é uma super habilidade do Buda.
Ninguém consegue sentar se não houver uma mente supervisora do processo. Por exemplo, a gente pode estar com sensações de corpo como frio ou calor, podemos estar vendo coisas, podemos estar querendo ver ou não querendo ver, a gente pode estar fixado ou não. Mas estamos minimamente naquele lugar e naquela posição. Então, existe minimamente uma mente supervisora atrás olhando, quer a gente veja isso ou não. Por exemplo, se a gente der para uma criança uma pedra e disser: “agora fica assim, não mexe”. O conteúdo não importa, ou seja, não importa se for uma pedra ou qualquer outra coisa, mas ela tem que ficar segurando aquilo. Tem que ter uma mente supervisora que dá conta dessa posição, caso contrário a pessoa vai se deslocar para um lado e para o outro, o que é muito natural.
Quem tem um treinamento é capaz de fazer outras coisas sem perder esse foco. A pessoa cria uma espécie de supervisor. Vamos supor que eu não estou com pedra nenhuma, eu estou com um mudra. Mudra é uma posição do próprio corpo, eu paro o corpo numa posição. Eu não tenho como me manter numa posição se não houver uma consciência que administra isso. Então, para manter-se na posição, em si mesmo, mesmo que eu não fique pensando nisso, eu tenho uma mente que sustenta uma posição.
Então, surge esse observador. Esse observador que sustenta a posição é o que vai atingir a iluminação. A mente comum será substituída e abandonada. Nós estamos gerando a consciência que vai atingir a iluminação. Aí a pessoa senta. Se ela disser “agora eu estou gerando e estou fazendo isso e aquilo…” já atrapalhou, porque entrou o processo discursivo, ela já está vendo de forma dual, que é um pouco o que eu estou fazendo aqui agora enquanto estou descortinando isso. Mesmo que eu fale sobre isso, se a gente simplesmente sentar, a gente inevitavelmente vai praticar isso, sem precisar pensar. Então, a gente volta para a prática e geramos essa consciência.
Quando eu me levantar, pode ser que eu leve junto esse observador. Enquanto eu me movo ele está me olhando também.

Progresso da meditação e a posição do observador

Aqui nós estamos em bloco 2. A gente senta. Esse observador no início está normalmente dentro do samsara. Mas eu vou começar a deslocar agora um segundo aspecto. Eu tenho o observador e tenho a posição onde ele está. O progresso da meditação se refere ao surgimento desse observador, que é o praticante, e o deslocamento dele em direção a regiões mais sutis. Ele vai começar a se deslocar progressivamente. No início, ele está no samsara, depois ele vai se deslocando, ele vai reconhecer alayavijnana e depois vai atravessar e repousar na natureza primordial.
No início, ele tem a visão de paisagens e bolhas, depois ele tem a visão da vacuidade, e depois ele vai desenvolver a visão da mandala. Então, o aspecto interno, a posição onde ele está define de modo coemergente a aparência externa que ele vê. Quando ele estiver no final do bloco 2, ele continua sempre fazendo a mesma prática, durante todo o bloco 2 ele está fazendo isso. Então, se a gente quiser ver qual é o progresso, é esse deslocamento. O observador primeiro surge quando nós sentamos, ele estabiliza e se desloca progressivamente para regiões mais sutis, ele reconhece alayavijnana, aí ele está num ponto que não tem condicionantes. Quando ele está num ponto sem condicionantes surge a visão das mandalas. Isso corresponde ao final do prajnaparamita com 8 pontos. Ele está na visão da mandala vajra.
Então, tem um treinamento razoavelmente trabalhoso, até que a visão comum de realidade, que são as bolhas de realidade do samsara, se converta nesse reconhecimento profundo do conteúdo das bolhas, aí nós vamos para a vacuidade, a gente encontra vacuidade e luminosidade, e atravessa alayavijnana, reconhece que não há um obstáculo verdadeiro nas aparências, no samsara. Nós não temos nem o que criticar de fato. Nós reconhecemos a natureza vajra e então vem a prática da presenca, em que nós repousamos na natureza não elaborada, que corresponde ao aspecto primordial.

Visão ampla e a posição do observador

Qual é o ponto que eu estou trazendo? Quando vocês estiverem meditando, o que aparece aos olhos, o que aparece como objeto não importa, o ponto importante é onde nós estamos. Vamos perceber que, durante um tempo, vamos olhar para as coisas como se elas fossem de um certo tipo, mas, à medida que recuamos, conseguimos contextualizar o que estávamos olhando, conseguimos criticar e nos distanciarmos da experiência anterior. Isto porque estamos mais longe da bolha onde aquilo estava situado, olhamos de forma mais geral. De repente, chegamos em alayavijnana. Aí encontramos os condicionantes que produzem aquela aparência. Trabalhamos nos vários condicionantes e nos deslocamos por eles, vemos as realidades se montarem a partir deles.
Nesse ponto, vemos de modo mais claro o que significa os ciclos de mortes e renascimentos: quando nos deslocarmos pelos diversos referenciais, as realidades vão surgindo de um outro jeito. Quando estamos olhando dessa maneira ampla, já não estamos mais nas várias bolhas quando elas aparecem, elas aparecem mas não estamos nelas.
Logo, estamos num lugar atrás, que é o lugar que precisamos, o lugar onde vai haver a lucidez primordial. Sempre que estivermos num nível de lucidez a partir de um referencial que não sabemos qual é, teremos a inteligência correspondente àqueles referenciais. Isto não é nenhum problema, mas essa inteligência só não é ampla, ela é aquela inteligência e não outra. É por isso que no fim não conseguimos mais criticar, pois as múltiplas inteligências são o que são. Apesar de serem inteligências particulares, elas são úteis. Elas operam junto destes mundos e surgem com estes mundos.

Apreciação do aspecto luminoso: nada a criticar

Então, quando estamos distanciados, começamos a desenvolver uma apreciação do aspecto mágico, do aspecto luminoso, lúdico, destas múltiplas realidades. Quando fazemos isto, não conseguimos mais criticar. É esta a visão de Vajrasatva, da Grande Perfeição. Não há como criticar. É como uma criança que vê a coisa de um jeito, mas a coisa era de outro jeito. É como quando rimos de uma pessoa que pensa que uma coisa é para um lado, mas a coisa é para o outro lado. Nós não estamos no engano, e sim vendo o engano. É diferente! Quando estamos no engano, a gente não vê o engano! Mas agora nós vemos o engano e não conseguimos mais chamar de engano. Olhamos aquilo ludicamente! A realidade inteira é vista assim!
Isto tem uma conexão com a linguagem da arte, do teatro, do cinema, da música. Todos os objetos sensoriais que a arte opera têm uma conexão direta com isso. A arte opera com os 6 sentidos. Ela opera ludicamente com estes aspectos todos. A arte tem a vantagem de nos colocar mais facilmente como observadores distanciados da realidade. Elas nos introduz isso, enquanto que a realidade como ela está tem a tendência de nos iludir. O progresso da meditação é justamente o progresso deste observador.
Transcrição e edição: Stela Santin
 

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