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Budismo, meditação e cultura de paz | Lama Padma Samten

"Como ajudar a nós mesmos e aos outros nesses tempos de pandemia?"

No dia 13 de março, Lama Padma Samten foi entrevistado pelos jornalistas Túlio Milman e Andressa Xavier, da Rádio Gaúcha. O principal tema da entrevista foi: “Como ajudar a nós mesmos e aos outros nesses tempos de pandemia?” Abaixo a transcrição da entrevista e ao final, o áudio completo.

Rádio Gaúcha: Bom dia, Lama, obrigada pela presença. Vou começar pedindo que nos conte como foi essa trajetória tão especial que o levou da Física Quântica ao Budismo.
Lama Padma Samten: Bom dia, agradeço a oportunidade. Os cientistas tentam entender a realidade, tentam olhar de uma forma imparcial, de uma forma distanciada, tirando, de certo sentido, o coração e todos os condicionamentos anteriores. Eles tentam olhar a realidade tal como ela é. Resumindo, essencialmente, os cientistas terminam descobrindo uma conexão com o pensamento espiritual, porque o caminho espiritual também precisa dessa lucidez.
É necessário que a gente entenda a realidade tal como ela é. A realidade sutil. E nós descobrimos que temos muitos conteúdos internos que atrapalham a forma de olhar, esses conteúdos internos terminam surgindo nas aparências. Isso acontece também com os cientistas. Essa é a razão pela qual a verdade da ciência vai mudando com o tempo, porque ela se mistura um pouco com os conceitos e com as pré-disposições internas que as pessoas têm e com as culturas dos tempos, é um esforço maravilhoso não só de conhecer a realidade, mas de conhecer a nós mesmos. Então, o cientista investiga a si mesmo de algum modo.
Rádio Gaúcha: De algum modo eu tinha dito que a gente teria uma entrevista sobre como a gente se ajuda e não só como a gente espera ajuda dos outros e o senhor está falando exatamente sobre isso, conhecer como a gente se ajuda.
Lama Padma Samten: Exatamente. No budismo a gente se classifica em 6 disposições mentais, essas disposições mentais surgem e afetam nossas vidas. Antes estávamos comentando sobre futebol. O futebol é um campo muito visível, porque dependendo da disposição mental da equipe, eles ganham ou perdem, eles são capazes de ser heróicos, são capazes de fazer coisas extraordinárias, então, a motivação da equipe é um ponto importante, ou seja, a base onde eles se sentem.
Então, como que nós podemos nos ajudar? A gente precisa se colocar em algum lugar melhor. Em um tempo de crise como esse, se nós pensarmos nos obstáculos, nós provavelmente não vamos encontrar saída. A gente vai precisar pensar como tomamos as características existentes agora como vantagem, como a base para então construir realidades melhores. E esse é o nosso desafio: encontrar nessas circunstâncias aquilo que é favorável para nós podermos ir adiante. No momento que a gente se coloca buscando algo elevado, nesse exato momento nós já estamos saindo da crise, nós internamente já temos outra disposição mental e energética.
Rádio Gaúcha: Lama, um dos conceitos basilares do budismo que estamos exercitando constantemente é o conceito da impermanência. Eu queria que o senhor explicasse um pouco esse conceito à luz do que está acontecendo hoje no planeta Terra: impermanência.
Lama Padma Samten: Esse é um conceito importante do budismo. Ele se refere ao fato de que nós não temos controle sobre as coisas. Essencialmente sobre o ponto de vista experimental da realidade, nós vemos tudo mudando constantemente, mudando e mudando. Se há alguma coisa constante é a própria inconstância, é a própria impermanência. Esse é um desafio para os cientistas, pois o cientista de modo geral busca aquilo que é permanente, ele tenta localizar, por exemplo, as leis da física, as leis da química, as leis da natureza, aquilo que não muda em meio a tudo o que está mudando.
No budismo, nós vamos considerar que a impermanência se refere ao mundo das aparências, mas nós buscamos também aquilo que não se move, aquilo que é verdadeiramente existente, consistente. Então, o caminho espiritual todo não é um caminho que vai glorificar a impermanência, mas ele vai considerar que nós estamos dentro de um mundo de aparências que mudam constantemente. Ainda assim, dentro deste mundo das aparências existe algo que não se move, que está além do tempo. O mestre Dudjom Rinpoche, que foi mestre do Chagdud Rinpoche, descrevia isso como o quarto tempo. Nós temos o presente, o passado e futuro, mas nós temos um quarto tempo, é o tempo em que a consciência existe. Esse tempo não decorre, é um tempo estável e permanente.
Rádio Gaúcha: E como o senhor falava do equilíbrio do externo e do interno, e como uma coisa afeta a outra, qual é a sua dica para quem está tentando se conectar com o interno nesse momento?
Lama Padma Samten: Eu diria assim, por exemplo, há uma imagem, na visão oriental, em que as situações ruins muitas vezes são associadas a um pântano. Então, quando nós entramos em um pântano, nós podemos ficar pantanosos também, ou seja, quando nós vamos encontrando a negatividade e as dificuldades, nós vamos ficando amargos e com sofrimento interno, as nossas visões todas vão nessa direção, uma direção difícil. Mas eles sempre lembram o exemplo da flor de lótus, que brota e surge e se eleva desse pântano e manifesta uma beleza a partir do pântano e não a partir das coisas que sejam dela originalmente. Então, nós temos essa possibilidade sempre, o caminho espiritual é sempre o surgimento de um lótus em meio ao pântano e esse é o nosso desafio.
Rádio Gaúcha: Eu fico mais curiosa e peço para o senhor falar um pouco mais sobre isso, porque o pântano foi elevado a outra potência nesse momento. Em 2020, a gente achou que estava saindo do pântano no final do ano passado e no início deste ano, mas agora parece ser um pântano muito maior. Como se descolar disso?
Lama Padma Samten: Esse pântano, como tu diz, tem uma outra potência, é extraordinário, parece incrível isso. E não só esse pântano parece existente como parece que existe uma força para torná-lo maior. É como se houvesse consciências que aspiram que as coisas fiquem piores.
Agora, quando nós olhamos isso, a chave dentro do budismo é localizar o sofrimento, então, o sofrimento existe. Quando nós olhamos o sofrimento, a gente vê que todos os agentes do sofrimento, mesmo aqueles que estão promovendo o pântano, promovendo a desgraça, eles não estão fora desse sofrimento, a posição de mente deles já é o sofrimento, então, eles causam sofrimento e eles também estão em meio a tudo isso.
Quando nós olhamos esse ponto a gente poderia ficar dominado pelo sofrimento, mas aí surge o que no budismo a gente chama de compaixão, que é o próprio talo do lótus: do sofrimento brota a aspiração de produzir benefícios, então, o exemplo maior nesse tempo eu acredito que seja justamente as equipes de saúde se dedicando e sacrificando suas conexões com suas famílias e fazendo esse grande esforço. E eu incluiria também os jornalistas, entre eles eu vejo o Tulio Milman, eu vejo a Andressa fazendo esse esforço para produzir algum brilho nesse tempo que é escuro. Então, de onde surge essa energia? Essa energia surge da compaixão, da aspiração de que as coisas melhorem. Então, dessa compaixão, o primeiro aspecto que a gente deveria entender na sequência é a qualidade mesmo das pessoas que estão fazendo coisas equivocadas e estão tomando direções que não são apropriadas e das várias circunstâncias também que desabam sobre nós.
Nós vamos vendo que há inteligência dentro disso e que essas inteligências podem agir melhor ou pior, então elas têm um brilho natural, esse brilho natural é permanente, ele pode ser dirigido de uma forma favorável ou de uma forma desfavorável. Nós adivinhamos isso, a gente diz: esses seres têm esse brilho. É como uma mãe olhando um filho que está se comportando mal, ela segue, ela acredita no filho, ela acredita que ele pode fazer coisas melhores. Nós olhamos em volta e vemos o potencial positivo que está presente, que não está sendo usado, mas é um potencial positivo. Isso em uma certa medida nos acalenta o coração e isso é amor, então nós olhamos para os seres e não os prendemos nas características negativas, mas nós aspiramos que eles ampliem a sua visão, então desse amor surge alegria e felicidade para nós e assim a gente vai saindo do pântano.

“O caminho espiritual é sempre o surgimento de um lótus em meio ao pântano e esse é o nosso desafio”.

Rádio Gaúcha: Lama, eu gostaria de perguntar sobre meditação. Nós vemos, dos gurus da tecnologia do vale do Silício até os templos budistas, a meditação surgindo como uma tendência, às vezes fantasiada de modismo, o que não é condenável e nós não estamos aqui para julgar, e às vezes servindo de alicerce e de base para toda uma prática religiosa e filosófica. Eu queria que o senhor nos dissesse se é muito difícil meditar e se qualquer um pode fazer. E sem querer transformar em fast food, se o senhor poderia nos dar umas dicas de como começar esta prática.
Lama Padma Samten: A meditação não é difícil, porque ela é intuitiva. Quando nós nos defrontamos com alguma dificuldade que a gente não consegue resolver a gente para. A gente fica parado tentando ver o que fazer. Então, isso é uma tendência natural. Esse comportamento intuitivo de parar, alguns mestres dizem: a chave da meditação é “apenas não saiba”. Eu acho isso muito interessante porque quando nós olhamos alguma coisa e a gente sabe, a nossa mente já sai construindo coisas. Mas quando nos colocamos diante das coisas com um olhar aberto, esse olhar aberto é a própria meditação, é a essência da meditação, é o olhar aberto diante das aparências, não é simplesmente sair construindo outras e outras coisas a partir do que nós vemos.
No âmbito das organizações, eu gostaria de trazer isso, surgiu essa noção da teoria “U”, não sei se vocês já ouviram sobre isso. O U é como se fosse um gráfico, a letra U maiúscula é um gráfico. Nós estamos, por exemplo, com a mente excitada na ponta do gráfico, em cima à esquerda e aí nós mergulhamos, nós descemos e acalmamos essa mente que é a base da letra U. Quando a mente se acalma, ela é capaz então de ressurgir, ela sobe para a outra ponta do U e, quando ela sobe, ela está diferente, ela está aberta e ela é capaz de ver outras coisas.
No âmbito das organizações, as pessoas perceberam que elas têm que tomar decisões, mas se elas simplesmente responderem às aparências como elas estão vendo, isso não vai funcionar, é melhor passar por um U.  Ou seja, acalmar a mente, gerar essa base serena e livre, essa base do “não sei” para então poder retornar e talvez então ela tenha outras ideias e possa andar em direções mais criativas. Então, a meditação vai ampliar essa capacidade. Vocês não pensem que vocês têm que saber, é justamente o “não saber” que precisamos, é o distanciamento com relação àquilo que parece automático nas nossas vidas.
Rádio Gaúcha: Na prática, nós temos a imagem de que na meditação nós temos que cruzar as pernas em uma posição que às vezes é muito difícil para quem não está treinado, tem que acender um incenso, colocar uma música suave, ir para um lugar isolado nas montanhas e vai ficando difícil. Não é assim, não precisa ser assim.
Lama Padma Samten: Não precisa. No aspecto grosseiro eu posso criar várias coisas, mas essencialmente a meditação é o aspecto interno, é o aspecto sutil. Ela pode ser praticada deitada, ela pode ser praticada à noite antes de deitar, quando a gente acorda ou antes de dormir. A gente pode deitar e antes de dormir a gente abre a mente, amplia a mente. Um ponto que o Buda explica é como meditar também com a própria respiração, então, qualquer pessoa pode ficar numa posição confortável, uma posição firme, sentado em uma cadeira ou como for onde ela estiver. e todos nós estamos respirando, então, o Buda ensina a gente a ganhar uma liberdade em relação à própria respiração, observando a respiração. Enquanto nós observamos o ar que entra e o ar que sai, observamos o ritmo mais intenso ou mais lento da respiração, e nós geramos a mente sutil que passa a observar as coisas.
O Buda traz esse exemplo da respiração, porque ele é muito fácil para nós, mas o ponto central é que enquanto nós observamos a respiração nós geramos uma mente capaz de observar as várias coisas. Depois ele nos ensina a observar enquanto nós movemos as pernas, os braços, caminhando, enquanto nós viramos o rosto para um lado e para o outro, ele vai quebrando o automatismo, ele vai gerando, a partir dessa quebra do automatismo, a nossa capacidade de observar as coisas distanciadas, sem a resposta automatizada. Esse distanciamento que nos livra do automatismo é a essência da meditação, nós podemos meditar nos vários ambientes mesmo dirigindo um carro.
Rádio Gaúcha: Nós agradecemos, Lama Padma Samten. Muito obrigada por conversar conosco, um abraço.
Lama Padma Samten: Muita saúde para vocês, para todos os ouvintes e vamos em frente, imaginando coisas melhores e construindo coisas boas.
Para ouvir a entrevista, clique aqui.
Transcrição: Gabriele Michelsen
Revisão e edição: Stela Santin

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