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Budismo, meditação e cultura de paz | Lama Padma Samten

Lama Padma Samten no evento “Educação para o futuro”

Conferência  de Lama Padma Samten no evento “Educação para o futuro”, que ocorreu no SESC Vila Mariana, em São Paulo/SP, dia 20/03/2014, promovido pelo WE.CON – World Education Conferences

Fundamentos de uma Nova Educação

Quando falamos em educação, o primeiro ponto é o futuro. Mas não faz sentido imaginarmos um futuro associado à educação se não pensarmos em sustentabilidade. Nossa cultura atual não merece ser sustentada pelo processo de educação. Precisamos ver como produzir outras relações e outros processos. A educação atual, voltada para o processo econômico, produz contradições que geram as crises. Não produz facilidade de relação entre as pessoas, nem um futuro visível, tampouco satisfação nas pessoas vitoriosas dentro desse tipo de estrutura. Ainda assim estamos dominados por este processo.
Mesmo que não estejamos numa cultura vitoriosa ou sustentável, imaginamos como os educadores poderiam criá-la. E nos deparamos com essa cobrança nas crises. A crise econômica de 2009 refletiu-se na educação. Os professores, os educadores foram cobrados: como é que eles criaram a geração que produziu a crise? Faz sentido. Que educação é essa que chega ao ponto de colocar em risco a humanidade inteira? A ponto de, mesmo sem uma guerra, gerar um grande problema econômico? Não conseguimos apontar um inimigo a não ser nós mesmos.
Precisamos de uma cultura de paz, de algo que possamos imaginar que mereça ser transmitido para as gerações seguintes. Eu gosto da perspectiva de aldeias. As aldeias não são necessariamente locais físicos, são uma forma pela qual as pessoas se juntam e se ajudam. Também gosto da perspectiva das comunidades se estabelecendo com novas tecnologias, novas formas de lidar com a alimentação, com a saúde, novas formas de relação econômica, nova arquitetura, e naturalmente tudo isso ligado a um mistério que seria a espiritualidade.
Não acho que o estabelecimento de grupos humanos possa se dar sem uma visão espiritual. A cultura de paz sem espiritualidade fica muito estranha. Precisamos entender que a espiritualidade rege um mundo sutil, um espaço interno ao qual a maioria das pessoas não tem um acesso muito claro. Mas é um espaço que vai determinar o brilho dos olhos associado a diferentes coisas do mundo.
As diferentes tradições espirituais produzem referenciais internos que não são lógicos, mas sim referenciais emocionais e éticos, que permitem que a pessoa efetivamente se interesse pelos outros, pela natureza, por si mesma. Esse interesse surge a partir de um processo de realização interna, ou seja, da naturalidade com que a pessoa consegue dizer: “Eu aspiro melhorar a relação comigo mesma, eu aspiro melhorar a relação com as outras pessoas, eu aspiro melhorar a relação com a própria natureza, eu aspiro melhorar a relação com as autoridades”. Quando olhamos desse modo, criamos um tecido social, um tecido humano, um tecido planetário de relação com os outros seres. É muito importante que isso brote não como uma regra, mas de forma natural. A naturalidade é a visão espiritual que começa a amadurecer.

Onde brota o engano

Para nós budistas é fundamental entender a dimensão grosseira e a dimensão sutil da realidade.
O aspecto grosseiro é muito importante dentro da educação. Precisamos saber como utilizar energia, como plantar, como colher, como organizar todas as coisas. Vejo que podemos trabalhar e dialogar perfeitamente com a ciência no aspecto grosseiro.
Na parte sutil, precisamos entender a interdependência, ou seja, o fato de que nosso mundo interno aflora como a aparência do mundo externo. A ciência é inseparável desse aspecto. Quando estudamos a história da ciência, nos defrontamos com o fato de que grandes cientistas desenvolveram ideias que foram ultrapassadas. Aí vem uma questão filosófica: qual é a origem do engano?
No budismo, dizemos que o engano provém de avydia, ou seja, estamos presos a certas visões e não conseguimos ver além delas. Mas o mais importante é que temos capacidade de ultrapassar essas visões. Wittgenstein disse que a filosofia trabalha dentro do que pode ser pensado. Mas o mais importante é ir além do limite do que pode ser pensado.
Todos nós estamos presos a conceitos, e é muito importante entender que a prisão é interna. Quando trabalhamos no mundo interno, descobrimos de onde vem a sensação de solidez do que nós vemos e como aquilo pode nos enganar. Eu acredito que o processo de educação que não aborda como nos enganamos é o treinamento de pessoas para coisas automatizadas. Essencialmente isso.
Se não introduzimos o processo crítico, perdemos as gerações. É um engano realmente. Geramos, por exemplo, economistas que pensam que está tudo muito bem e dois meses depois o mundo está explodindo, e eles não viram.
Avydia é algo que toca a todos nós. Todos nós estamos contaminados por essa limitação da visão. Logo, precisamos introduzir a crítica ao próprio conhecimento no programa de ensino.
Um processo muito importante dentro das escolas então é a comunidade, a cultura de paz que a comunidade representa. Os professores não deveriam ser apenas professores, deveriam ser pessoas que vivem integradas em um processo de cultura de paz, uma cultura elevada. Eles ensinariam a partir do próprio exemplo, em vez de apenas discorrer sobre algum conhecimento de forma não conectada.
Precisamos da aldeia e dos professores. Os professores não seriam professores apenas, seriam alunos, também estariam aprendendo. Precisamos entender que as escolas são para professores, pais, crianças — para a comunidade. Todos envolvidos no processo de ensino e aprendizagem.
Precisamos entender que a escola é a própria vida girando.
Ao encontrarmos soluções comunitárias para as nossas dificuldades, geramos o conhecimento que será apresentado dentro das escolas para os estudantes pelo nosso próprio exemplo.

Precisamos desescolarizar

É muito razoável vermos os jovens aflitos dentro das escolas. Eles estão tentando abrir a visão deles, e nós tentamos enquadrá-los para que desenvolvam aptidões, para que se ajustem a papéis que esperamos que eles cumpram dentro de uma sociedade que eles sequer entendem. Eles nem sabem qual é a razão disso tudo. A energia dentro deles pulsa em outras direções, não naquilo. E nós culpamos os jovens, os consideramos desajustados e encaminhamos a educadores e psicólogos para que possam ser ajustados no caminho das coisas sérias e reais — que é esse mundo afundando.
A crise na escola não é crise da escola, nem crise dos jovens. É a crise geral da sociedade. As pessoas não estão mais dispostas a seguir nesse processo. Estamos desescolarizando. E precisamos desescolarizar. Porque a ponta de lança da sociedade atual, com todos os seus obstáculos, está na escola. É ali que os jovens são pegos e moídos.
Não sabemos se quem vence dentro da sociedade atual é melhor ou pior do que quem é derrotado. Porque quem vence fica preso à vitória, precisa seguir naquilo, mas a insatisfação é inevitável.
É necessário entendermos isso de uma forma mais ampla. Precisamos primeiro desenvolver novamente as utopias sociais, espirituais. A partir dessas visões, podemos montar uma visão de escola também. E testar essas visões com a nossa experiência. Acho que estamos dentro de um movimento de grande fragilidade como um todo, mas fazemos o que podemos dentro do que nos é dado como possibilidade.
A transcrição foi feita por vários alunos do Lama. A edição e revisão por Lúcia Brito. 

Assista ao vídeo da conferência

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