Transcrição de um trecho do ensinamento oferecido por Lama Padma Samten durante o retiro “Treinamento para iogues do cotidiano”, de 25 a 29 de maio 2016, no CEBB Caminho do Meio (Viamão, RS)
“Eu faço ações de um certo tipo e essas ações tem consequências. Essa noção da consequência da ação é muito interessante… durante um longo tempo nós vamos trabalhar nisso. Quem está no bloco zero vai trabalhar na consequência das ações. Ainda assim, dentro de uma perspectiva muito ampla, nós podemos ultrapassar a consequência das ações, porque os ensinamentos mais elevados tratam da liberdade natural, não da fixação. Mas, se eu proponho um tabuleiro de jogo, o valor de cada peça e a regra, e começo a me alegrar pelo resultado daquilo, as jogadas que eu fizer dentro do tabuleiro vão ter consequências sobre mim, entende? E vão ter consequência sobre o outro. Se eu não estou preso ao tabuleiro, eu não tenho aquilo, eu posso estar jogando, mas não estou preso.
De modo geral, todo mundo que joga e se alegra está preso dentro da perspectiva do jogo, então está submetido à regra do jogo, mesmo que não saiba. A pessoa está jogando, então ela vai sofrer e se alegrar correspondentemente. Nesse sentido é que o carma atua, ele atua por dentro das bolhas. Nesse sentido também que a liberação é possível. Porque, por exemplo, tem várias pessoas com quem o Buda se encontrou que fizeram muitas ações negativas — como Angulimala, que de repente encontra o Buda e dissolve as ações. “Mas pera aí, ele fez, precisa pagar!”. Não tem, isso é incrível! Na perspectiva budista, a pessoa não tem que pagar, o próprio Buda dava um jeito. A pessoa tinha uma transformação de mente, aquela necessidade de pagar o carma se extinguia, porque a pessoa não está mais dentro daquela bolha.
Mas como é isso? O carma não é dela? Não é. O carma é uma conexão que a gente estabelece. Na medida em que nós estamos presos naquele processo, nós vamos pagando aquilo. Se não estivermos mais preso no processo, não vamos precisar pagar. Quando estamos jogando dentro de uma perspectiva, estamos presos. Quando saímos daquela perspectiva, daquela bolha, a estrutura cármica correspondente também evapora. Essa é a razão misteriosa pela qual nós podemos atingir a liberação.
Está certo que na perspectiva do bloco zero nós temos identidades. As identidades são as proprietárias do carma. A pessoa tem aquilo, e até está correto, porque são identidades dentro de bolhas, mas de repente a pessoa está operando com outra identidade, num outro lugar. Na perspectiva do bloco dois, três e quatro, a pessoa não é as estruturas de fixação, ela é a liberdade na qual estruturas surgem, e ela pode se conectar ou se liberar dessas estruturas também. Essa é a razão pela qual a liberação é possível. Se não, chegaríamos à conclusão de que a liberação não é possível, que todos já aprontamos carmicamente tudo, e estamos todos devedores.
Então, na verdade, a pessoa rejeita suas contas porque ela se livra daquelas identidades, se afasta daquilo, não joga mais aquele jogo. Aquela estrutura não fica aderida a uma entidade que não é mais aquela identidade. Não tem mais uma entidade que se preserve além das identidades. Isso é um ponto crucial: o que se preserva além das identidades é a natureza do espaço luminoso, onde nós podemos surgir com diferentes características.”