Ensinamento de Lama Padma Samten durante o Retiro de Verão 2015 no CEBB Caminho do Meio. Transcrição de Daniel Gisé.
“Eu acho a arte super útil. Não a usamos em todo o seu potencial. A arte simula tudo. Eu realmente gostaria de ter peças de teatro organizadas assim direitinho. Elas tem um poder de nos tocar, nos arrastar, um pouco como acontecia no teatro grego, que era um teatro de cura, não um teatro de espetáculo. Por meio daquilo as pessoas ficavam envolvidas no conteúdo e aqueles conteúdos internos se expressavam. Como aquilo tudo era uma apresentação, podíamos interpretar como algo terapêutico porque fazia aflorar esses conteúdos aflitivos. Eu acho isso super útil.
A apresentação da realidade já é arte, mas a gente não vê. Então podemos criar arte para ver que a apresentação das coisas é arte. Quando nós contemplamos a arte, aquilo que estamos olhando não é, mas é. Quando olhamos aquilo que pensamos que é, também não é. A diferença da realidade com relação à arte é que quando chegamos para ver uma exposição, nós já sabemos que não é, mas aquilo parece que é. Aqui é o contrário: eu chego achando que é, depois eu vejo que também não é. Isso é Maitreya [referindo-se ao Madhyāntavibhāga]: isso é; não é; e é.
Eu acho maravilhoso uma imagem feminina, jovem, linda, em pedra. Nada mais parecido com a realidade. É interessante, aquilo está em pedra. Como é que a gente acha bonito ou não acha bonito? Como é que a gente vê que tem uma graça feminina na pedra? Não está na pedra, pessoal! Não está na pedra!
Isso é um ponto super importante. No desenho, por exemplo, as pessoas estão fazendo isso há algum tempo: pegam uma pessoa, a desenham em diferentes posições, fazem uma animação e aquilo a representa super bem. As pessoas tem vários jeitos e gestos magnéticos, encantadores, e os artistas conseguem passar tudo isso para dentro do desenho. O próprio desenho se torna magnético e encantador. Como é que o desenho pode ser magnético e encantador? Vamos respeitar, pessoal! Aquilo ali é descaradamente um espelho que reflete a base da nossa mente! E nós pagamos para entrar no cinema, vemos aquilo tudo e em vez de converter em lucidez, convertemos em vedana: “Gostei, não gostei”. A gente não vê, aquilo está literalmente na cara. Os conteúdos internos estão aflorando e não vemos. Vemos pelo outro lado, vemos pelo gostar ou não gostar. O sétimo elo aparece, não aparece lucidez em momento algum.
Se tiver alguém parado em lótus olhando para filme, vão dizer: “Esse enlouqueceu!”. A pessoa sai do cinema, pergunta para o namorado: “E aí gostou?”. E ele: “Não se trata de gostar ou não gostar…”. Pronto, esse aí não serve. Chega a mamãe e pergunta: “E aí, seu namorado gostou?”; “Ele diz que isso está além de gostar ou não gostar”; “Olha, esse não serve pra casar”.
Aliás, isso aconteceu com o Buda. O futuro sogro se deu conta. Quando o Buda achou que ia casar com a Yasodhara e pediu, o pai dela disse: “Ele é muito abstrato, talvez não dê um bom marido”. Ele viu! O Sidarta teve que disputá-la no tranco, venceu os outros pretendentes em várias habilidades. Conseguiu enganar bem, né? Mas esse é um ponto. O Sidarta parava diante das coisas, o pai arando, abrindo a terra, primeira lavoura da estação, ele que era o rei, abrindo aquilo com um arado de ouro, em vez do Sidarta achar aquilo o máximo, ele ficava preocupado com os pássaros comendo os vermes que apareciam da terra. Nunca ia dar nada mesmo… Deu um mendigo! Interessante, né?
Então nós podemos olhar as coisas dentro de um aspecto condicionado ou podemos olhar tudo de forma profunda. É super sutil isso.”
—Lama Padma Samten
Vídeo do ensinamento
Assista a partir de 1h34: